domingo, 3 de janeiro de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #102: papai-e-mamãe, versão asiática

Não me lembro exatamente em que momento da campanha eleitoral americana que li uma nota de jornal na qual um reporter espantado dizia que Mike Pence (atual vice presidente americano) chama sua esposa de "mother". Fiquei me perguntando o quão estranho é isso, me lembrando de cenas de pornochancadas brasileiras nas quais o homem (ou a mulher) se refere ao seu papel como "papai". Me veio à mente também o tão mencionado "papai e mamãe", que a adolescência tentava desacobertar sem qualquer indício de complexo de Édipo algum nas entrelinhas. 

"-Esse pessoal não tem criatividade alguma", pensei comigo mesmo. "Inventa outro nome, chama de safada, de gatinha, de fofa... mas não de mãe, ou mamãe, ou papai."

Minha indignação não parou por aí, e veio à tona novamente dias depois, quando reparei que casais japonêses também se referem ao homem e à mulher (casal) como "otôosan" (pai) e "okaasan", mãe. Perguntei então pra uma amiga se os pais dela se chamavam dessa forma, ao que ela disse que sim. Sondei um pouco mais: 

"-...mas e tuas amigas, da tua idade? Elas se referem aos esposos assim, como 'otôosan'?", ao que minha amiga disse mais uma vez que sim. Saí dali chocado, tentando "detectar" na minha própria comunicação algum resquício anômalo... mas não encontrei nada. 

Me dediquei um pouco mais a procurar duplo significados em coisas que digo e falo/falei em relações, mas não encontrei nada significativo. Lembrei-me de uma ex da época da escola que me chamava de "bebê", que já na época achama bem estranho.... (por sinal, versando sobre o tema, recomendo o post intimidade mensurada, de maio de 2020). 

Nesse mar de lembranças, duplos sentidos e diversas interpretações, aconteceu de me deparar com uma cena linda de um filme igualmente belo do Wong Kar-Wai que tive o prazer de assistir novamente nesse final de ano: na cena, uma mulher e um homem jantam juntos, tendo descoberto recenemte que seus respectivos conjuges estão tendo um caso. Muito do filme é velado, extremamente discreto, e eles por vingança começam a ter um caso (ao menos se insinua isso). Eu só fui perceber que essa cena insinua sexo recentemente, quando vi que muito do filme versa sobre a idéia de ser/estar íntimo com alguém: o homem não sabe como agradar uma mulher, pois não sabe como o marido a agrada. A mulher não sabe como se portar pois não sabe oque a esposa dele gosta. Como cruzar barreiras, como transpor limites da intimidade que só o tempo parece construir? Apimenta-se a relação, simbolicamente, com uma pitada de tempêro no canto do prato... "-your wife likes hot dishes".... me pergunto como isso soa em cantonês/mandarim.


 


[In the mood for love, de Wong Kar-Wai; cena do  jantar]


[Este post foi escrito seguindo normas estritas de segurança, com senso e respeito]

[sem que seu autor chamasse ninguém de "tchuchuca do papai", se auto-intitulasse "tigrão", ou ouvisse qualquer frase que soe como  "zungundum da mamãe", ou similar.]


Nenhum comentário: