quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

No olho do furacão (visita à antiga casa) - final

Talvez a coisa mais difícil nessa viagem à antiga casa no norte, o sentimento mais estranho que senti, foi conversar com a esposa de um amigo e sentir a estranheza na prosa dela. Como um barco que perde a âncora e passa a flutuar cada vez mais distante do seu porto, a loucura deve causar um distanciamento entre pessoas inimaginável: é perder alguém, tendo esta pessoa ainda ao seu lado.

Curioso eu dizer isso, na verdade.... isso por que tenho uma amiga de infância (mais amiga da  minha irmã) cuja mãe bem cedo começou a sofrer de esquizofrenia: um belo dia ela saiu e não sabia como voltar pra casa. Depois  os incidentes foram se acentuando, e em um momento ela deixou de ser ela mesma.

Injusto talvez dizer isso... porque a pessoa é a mesma ainda, de alguma maneira, mas corpo e mente se desprendem, e nos resta só essa carcaça da qual somos feitos.

Não sei por que isso me tocou tanto. Acho que a compaixão pela dor que meu amigo, se conseguiu perceber o problema (acredito que sim), deve sentir. Perder alguém pra um inimigo maior, que dorme com a esposa o tempo todo, acorda com ela o tempo todo, é seu maior confidente e é, no fim das contas, uma parte indivisível do que a pessoa que ele ama se tornou. Me tocou muito a fragilidade daquela relação, madura e com filhos, com tantas estórias, festas entre amigos, e viagens. Me tocou relembrar das minhas relações em que senti o barco desancorado visto da praia, sem chance de ser resgatado senão com muito esforço, ou mesmo sob o risco de se afogar no mar bravio que tudo leva, que tudo que ali flutua um dia clama.


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