quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Direto da Terra do Sol Nascente # 80: "você voltou?"

Sim, eu voltei. Agora, pra que? ...é um enigma. 

No aeroporto já sou inundado por emails que me pedem de tudo: escreva isso, me ajude com aquilo, precisamos terminar o artigo, você se lembra daquele beta na equação, qual é sua cor favorita, você gosta de pôneis.

A vida nipônica, como uma erva daninha, parece querer se apoderar de tudo que tenho, não deixando espaço pra nenhum resquício de férias ou mundo ocidental que trouxe na mala.

Rapidinho, já começo a sentir o sossego correndo pelos meus dedos: um email que respondo, um latex que escrevo, uma vaga de trabalho que me parece interessante e pra qual penso em aplicar, entrevistas, contas de luz e de água.

Férias, ó férias: você me dá saudades

Aclimatizo e Tokyo na casa de amigos americanos. Como uma zona de descompressão, sinto-me voltando aos poucos pra vida na terra do sol nascente. Hoje, finalmente, volto pra casa: depois de mais ou menos 42 dias fora, penso oque será reatar laços com minha casa, com meu trabalho, com minha vida, com kinoko-san e gardênia.

Respira fundo.... você dá conta.

No olho do furacão (visita à antiga casa) - final

Talvez a coisa mais difícil nessa viagem à antiga casa no norte, o sentimento mais estranho que senti, foi conversar com a esposa de um amigo e sentir a estranheza na prosa dela. Como um barco que perde a âncora e passa a flutuar cada vez mais distante do seu porto, a loucura deve causar um distanciamento entre pessoas inimaginável: é perder alguém, tendo esta pessoa ainda ao seu lado.

Curioso eu dizer isso, na verdade.... isso por que tenho uma amiga de infância (mais amiga da  minha irmã) cuja mãe bem cedo começou a sofrer de esquizofrenia: um belo dia ela saiu e não sabia como voltar pra casa. Depois  os incidentes foram se acentuando, e em um momento ela deixou de ser ela mesma.

Injusto talvez dizer isso... porque a pessoa é a mesma ainda, de alguma maneira, mas corpo e mente se desprendem, e nos resta só essa carcaça da qual somos feitos.

Não sei por que isso me tocou tanto. Acho que a compaixão pela dor que meu amigo, se conseguiu perceber o problema (acredito que sim), deve sentir. Perder alguém pra um inimigo maior, que dorme com a esposa o tempo todo, acorda com ela o tempo todo, é seu maior confidente e é, no fim das contas, uma parte indivisível do que a pessoa que ele ama se tornou. Me tocou muito a fragilidade daquela relação, madura e com filhos, com tantas estórias, festas entre amigos, e viagens. Me tocou relembrar das minhas relações em que senti o barco desancorado visto da praia, sem chance de ser resgatado senão com muito esforço, ou mesmo sob o risco de se afogar no mar bravio que tudo leva, que tudo que ali flutua um dia clama.


domingo, 26 de janeiro de 2020

No olho do furacão (visita à antiga casa) - parte 5

Sabe oque talvez seja o mais estranho de estar aqui, de volta a um lugar que foi tão importante na minha formação como adulto? Sentir que faço e não faço parte disso: ando pelas festas e sinto o quão legais são,  suas teses, seus intentos, interagir, falar mais mil vezes sobre oque trabalho - e que tem pouquíssima relevância pra maioria delas, e no fundo, lá no fundo, achar tudo meio sem graça.

Uma coisa que é bem comum a mim é precisar de um tempo de repouso, um tempo de silêncio. Ohhh man.... I need a break! Sim, esse sou eu. Preciso de um pouco disso, de não terem que me forçar a interagir, a acharem algo sobre uma peça, a sentir algo pelo condutor da ópera e a maneira como ele rege, a pensar à respeito de qualquer coisa.

Das duas uma: ou eu sou um chato, ou eu estou cansado.

Sabe... acho que um pouco dos dois: esses dias têm sido bem intensos. Acima de tudo, sinto essa mistura de medos que parecem me percorre por debaixo da pele, em procurar aquele emprego que eu procurava ano passado e ainda não apareceu, em terminar meu artigo (cuja idéia foi bem recebida por aqui, felizmente). Me pergunto: pra que que eu vim? Talvez pra poder olhar pra tudo desde o começo, e poder tentar traçar o começo dessa jornada: ter ido ao Rio, depois pros EUA, e depois pra mini-apple, depois terra do sol nascente.... foi a mesma pessoa que percorreu todo esse caminho? Mesmo?

Reencontrei uma amiga de escalada, que não põe uma gota de álcool na boca por conta de drogas (das quais largou há anos). Me conta sobre o porque usava, por conta de uma visão muito negativa sobre si mesma, muita pressão pra sempre ser "melhor" de alguma maneira.
A ouço.
Ela me ouve.
E me diz: "- you have not changed much in that sense... you still have a very distorted view of yourself."

E saio da conversa de maneira não-euclidiana, refletindo sobre essa palavra/frase que tantas vezes ouvi - de amigos, de terapeutas - em que as linhas paralelas do meu pensamento parecem se encontrar mil vezes, se emaranhar, e se distorcer .... sendo, desde o começo, apenas paralelas.

Vir ver não ajudou de maneira alguma nisso. Ter vindo talvez não tenha tido um propósito 100% claro... Mas quem disso que era pra ter algum propósito? Quem disse que era pra ajudar?

sábado, 25 de janeiro de 2020

No olho do furacão (visita à antiga casa) - parte 4

No fim do dia eu estou simplesmente exausto... caindo aos pedaços

Esssa semana foi cheia de vírgulas, de reuniões, de voltar a uma vida que eu tinha, a problemas que eu gostava (ou achava que gostava) de resolver... terminar coisas, crescer e dizer pros que me "criaram" (ao menos academicamente) que estou de partida.

Au revoir! Tchau! Adios! Bye!

É... por mais que insistam em me convencer em ficar um pouco lá-um pouco cá, um pé dentro-outro fora, essa saída é definitiva: there's no way back. I'm leaving you, babe.

Uma curiosa visita, onde cumpri, "completei" (na verdade eu completei sem completar ainda 😬) um ciclo, em que me me permiti - e me abri- a mudanças, e volto para o "mesmo" lugar, que por sua vez é outro também.

Outra cidade sendo a mesma: ando por ela, vejo a riqueza, a mudança, ouço sobre os problemas, suas misérias, seus white supremacists que parecem brotar em todos os cantos -na mídia, na feira de produtores locais, na cidade... e penso no que cresceu, e no que parece ter se corroído e deteriorado.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

No olho do furacão (visita à antiga casa) - parte 3

Hoje no café da manhã, mesas e mais mesas de pessoas caucasianas com 4, 5, 6, 7 filhos e famílias, sentadas todas comendo suas pancake, bacon, fruit-salad-with-no-fruit-taste-at-all.

Um homem da mesa ao lado reconhece a conversa minha e de uma amiga, em português. Se apresenta, diz que fazia capoeira, e que adora português: 

" - smoother and more mellow than spanish...". Promete-nos que da próxima ira nos dizer oi e umas palavras em português.

Penso no que era viver aqui, no que era viver tão preso a uma coisa, a um título, como foi viver por 5 anos nessa terra. 

5 fuckin' longos anos!
Eternidade!
Years!
Yeah... it was hard!

Minha amiga fala do relacionamento, de como é ser acolhida por uma outra família que não a sua em terra tão distante. Fala das dúvidas, do break-up que antecedeu a vinda à terra do tio sam. Penso em mim, no mei trajeto, no eu barquinho que aqui chegou desconhecendo tudo, ignorante quanto a tanta "selvageria" que regia o país mais rico do mundo:
A riqueza
O conforto
A sujeira debaixo do tapete

Não consigo vir, ver e viver sem me lembrar dos dias aqui.  Penso no Brasil:
A riqueza
As frutas
A sujeira debaixo do tapete

E penso que é tudo igual, fruta de plástico ou não, conforto ou não, 8% of your taxes going to the military ou não, 8% of your taxes going to bribes and politicians in Brasilia ou não... logo me vendo preso no grande rabo-preso da lógica de uma pessoa que não sai do lugar, que descobre que os predicados tinham um rabo-preso com a conclusão, que por sua vez dependiam do predicado...que por sua vez....

Nessas horas eu paro, por que me é claro que estou sentindo falta de algo: de alguém, de alguma coisa que me preenche
-Alguém viu minha rotina? A perdi no caminho, há mais de um mês não volto pra casa... ela é uma menina magrinha e atarracada, que não gosta de luxos, e tem um cachorro e um aquário com um polvo...

Penso na minha rotina, perdida no aeroporto, chorando num cantinho até ser encontrada por um adulto responsável que a leve de volta para os seus.
Esse adulto: eu, que não volto pra casa nunca
Casa... quero voltar pra minha. 
Pra ser sincero, quero encontrar casa.... e ter vindo visitar a antiga só me fez ver que há anos, e anos, e anos, eu não tenho uma própriamente dita 

E pra variar, isso me lembra algo, the great, ela se não outra: Ella

" a chair is not a chair....

A room is a still a room, even when there's nothin' there but gloomBut a room is not a house and a house is not a home
When the two of us are far apart
And one of us has a broken heart"


[A house is not a home, Ella Fitzgerald]

Na verdade pensei nisso tudono café da manhã hoje cedo, enquanto ouvia minha amiga e, no fundo, pensava em mim, com ais ou menos a mesma idade vivendo aquelas coisas todas, e a acalmava, cheia de dúvidas de tudotodotipo. 

Isso tudo pra dizer que.... andei em círculos, e cheguei no café da manhã de novo. 

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

No olho do furacão (visita à antiga casa) - parte 2

Sabe oque é engraçado de visitar os eua e vir numa conferência? Me sentir meio peixe fora d'água. Ok, ok, vim logo num evento que nada tem a ver com minha área, apesar de uma técnica aqui e ali ser aproveitável. Mas no todo é isso mesmo: mesmo no que faço sou um pouco "outsider".

Curioso isso, porque na vida me sinto um estrangeiro. No meu país me sinto um estrangeiro. No meu trabalho me sinto meio isolado.E quando vou em busca de um evento onde me sinto mais em casa, me sinto perdido.

Que coisa, não? 

É curioso isso, pois recentemente (digamos, há uns meses) eu tive um momento meio catártico, em que virei a mesa, e disse pra mim mesmo que não trabalharia mais com ninguém que não sentisse remar o barco na mesma direção ou com o mesmo entusiasmo. 

That's it, babe: resolução de 2020 antes mesmo de 2020 pousar na Terra. 

Outra coisa interessante dessa vida aqui é sentir essa vida "fake plastic tree" norte americana: onde a manga não tem gosto de manga, o mamão não tem gosto de mamão, as árvores foram desenhadas no autocad, e as focas domesticadas que visitam a praia não são mais animais e sim animais hooked-on-junk-food.

A vida aqui tem um gosto estranho.... 

...um gosto estranho de vida estranha. De comida estranha... de gente estranha....

Recentemente, após livro do Kahnelman, li sobre um experimento que diz que pessoas que são lembradas sobre dinheiro (por imagens, ou sugestionadas de alguma outra forma a lembrar sobre dinheiro) exibem traços mais evidentes de egoísmo. E, como era de se imaginar, todo o tempo, toda imagem, é dinheiro: 
- teu acidente de uber é dinheiro pra um lawyer que é especialista em pegar dinheiro de gente que sofre acidente
- teu parking está comendo teus quarters enquanto você respira
- o donut da esquina, é mais barato e vem mais
- a música alta no restaurante te dá uma sensação de academia de ginástica, em que a vida segue no 220V, assim como teu trabalho, teus amores, teu salário, teus amigos, teu coração, e tudo tudo mais

Não sei se onde morava era muito diferente disso... me lembro de lá de uma maneira diferente, não como L.A... mas posso muito bem estar enganado.

Será que eu vivia numa bolha, fake-bolha, fake-food, fake-everything, e nunca percebera?

 

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

No olho do furacão (visita à antiga casa)

Estar de volta aos EUA depois de tanto tempo me traz uma sensação ainda estranha. Não consigo estar aqui sem contrastar as escolhas que tenho feito pra minha vida e a vida que levava.

Realmente, em vários momentos me parecem caminhos totalmente divergentes.

Envolto no "20-20" life-style de ver as coisas por outros olhos (ou com mesmos olhos que enxergam melhor o mundo) acredito que nada há de mudar enquanto não tomar uma atitude que me tire um pouco do conforto em princípio, pra depois me colocar de volta numa melhor posição (curiosamente, há uma teoria matemática, algo chamado "reforço de aprendizagem", que enfatiza isso: explore versus exploit). Me pergunto então oque aprendo: se algo que não está nos livros, algo emocional.. ou mesmo se nada aprendo, e apenas leio a mesma página de um velho livro.

Visito numa condição muito mais clara, onde consigo delimitar meus interesses bem, e distinguir oque faz sentido explorar, oque faz sentido deixar de lado. Diferentemente da outra visita, não há mais aquele desconforto de olhar pra traz com pesar, em ver a vida que deixei pra trás com olhos de dor e pesar: na última vinda  tudo estava embaçado, por dentro+namoro+academia+tudo que me cercava.

Dessa vez, sinto que só me falta mesmo a confiança (que às vezes parece me vir sei lá de onde) de que o futuro há de ser agarrado com as mãos, sem aflição, sem medo, conhecendo cada nuance de como o mesmo me arrasta pela vida, como uma correnteza.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Twenty-twenty?

Ao se fazer um exame de vista, 
o médico sempre menciona 
o tal
do
 "twenty-twenty"

como se
fosse a 
menor medida 
do enchegar bem 
de uma pessoa 

Oque será que, simbólicamente, 
isto significa 
neste ano que 
pelo mundo aos tropeços
começa?

Torço pra que vejamos o mundo sob mais perspectivas
e aceitemos as perspectivas dos outros
como se fossem as nossas
mais arraigadas
crenças

Que não nos falte sensatez pra discordar
e que não nos falte sensatez
para admitir cada pequeno
diminuto
erro
que humanamente cometamos

Que em 2020
encherguemos melhor
aquilo que somos
pra então conseguirmos focar
em tudo aquilo que queremos ser