[Alice in Wonderland - Dave Brubeck & Paul Desmond]
Adoro como essa música começa: o Dave Brubeck começa levando-a em uma direção, como que seguindo um coelho pro rabbit hole... aí totalmente muda de curso quando o Paul Desmond entra com o sax. Sempre que ouço é como se eu prendesse a respiração quando chega nessa parte, esperando esse clímax. Depois disso a música parece pular de um estado pra outro, como um vôo de borboleta, seguindo tanto um curso próprio quanto o curso do vento: a melodia e a harmonia se expandem como um delta de rio, indo do melancólico ao alegre/nada melancólico.
Na semana passada, numa dessas idas para o trabalho, caminhava pelo parque ao lado de casa. Olhei para o rio que, desde o tufão do qual falei há alguns dias, teve sua forma um pouco alterada: os bancos de pedras mudaram de lugar, a água flui e escoa de outra forma, como se fosse um outro rio aos meus olhos... embora ainda seja o mesmo rio.
Penso na tartaruga que vi algumas vezes, nadando curiosa, saindo mansa e duvidosa pras pequenas ilhas que parecem flutuar na correnteza: como uma monja durante um "walking meditation", a pequena adentra em passinhos diminutos o mato alto, até se perder dentro dele e fugir da minha vista. "Será que ela tem uma casa de campo ali?", penso comigo mesmo. Nunca fui lá pra averiguar; nem acho que deveria: em casa de tartaruga ser humano algum deveria pôr os pés.
Ao longo do dia fiquei com essa imagem na cabeça, do rio que muda sua forma ao longo do tempo, que segue por meandros, se emaranha em outros e em si mesmo. Olho pra mim mesmo, penso no porque nunca pude seguir em linha reta. Penso no final do livro "wizard of oz" (que, não sei porque, li recentemente), quando dizem para a Dorothy que a passagem para voltar pra casa estava ao dispor dela a todo o instante: bastava ela bater os sapatos mágicos que você estaria de volta ao Kansas. Logo em seguida, ouve-se o protesto do espantalho:
-Mas se você tivesse ido logo cedo eu nunca teria um cérebro.
- E eu nunca teria coragem, diz o leão.
- E eu nunca teria um coração, acrescenta o homem de lata.
É... a vida, mesmo por sofrimento e linhas tortas, no final parece fazer sentido. Mais ainda quando, adiante, podemos ver que sim, as respostas estavam ali, diante dos nossos olhos desde o princípio.
Essa semana que vem é aniversário da minha ex. Pela primeira vez em quase um ano entrei em contato, para dizer que gostaria de falar com ela, de ligar para dar parabéns ou algo assim. Estranho isso: entrar em contato para saber se posso entrar em contato... como um algoritmo que entra em loop, ou uma contradição que já existe na sua raíz. Pensei nisso por um tempo, mas não me apeguei a tais contradições: de tantas que vivo e vejo, seria das menores. Enviei a mensagem, embora no fundo, não saiba muito bem oque dizer. "- Happy birthday, I wish you all the ..." não sei o quão casual consigo ser... mesmo pra enviar uma mensagem já foi difícil, meu coração parecia querer se jogar pra fora de mim, que o diga numa ligação, falando-falado mesmo.
Esse deve ser oque... o terceiro relacionamento no estilo começo-meio-fim com este blog como diário de bordo? É curioso.. a gente nunca acha que vai passar, e nunca acha que vai gostar de novo de alguém, que vai deixar alguém se adentrar nas nossas vidas de novo, que vai ver esse rio de idéias, vontades, sentimentos e sonhos tomar outro curso, pra ir encontrar outro rio que, sabe-se lá de onde, apareceu para nos dizer que ali adiante há uma nascente, ou nos encantar com convites pra mergulhar e observar peixes. Sabe, ao longo desse pós relacionamento eu pensei e desejei, muito muito mesmo, poder ter deixado essa estória pra traz: estar em outro estado de espírito num bater de calcanhares, pronto pra outra. Mas... um rio não muda de curso assim tão rápido... quem sabe mais adiante me venha um "ahhh fez todo o sentido!" Não, até aqui não fez muito. Talvez para ela tenha, e seja bom pra mim ver, ouvir, e sentir alguma indiferença da parte dela em mensagens, se perceber como uma simples casualidade na vida do outro, ou mesmo na ligação que não rolou ainda. Talvez aí eu consiga colocar uma pedra nisso: "- por aqui não passa mais rio algum, bradou um gigante em protesto, ao colocar uma pedra no meio de um rio." Well... diferentemente das estórias gregas, poemas, contos, a vida tropeça nas suas próprias não linearidades. Às vezes, na verdade, a vida parece um teatro do absurdo, em que me pego com medo de falar oque sinto pra uma pessoa que, até pouco tempo atrás, era um rio emaranhado no meu, querendo desaguar no mesmo mar. Hoje nem sei pra que lado esse rio corre, em que nascente bebe, onde se emaranha. Que o diga eu, do meu próprio caminho.
ps: esse tópico me remete a uma outra música que adoro
[Can't We Be Friends? - Ella Fitzgerald & Louis Armstrong]
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