Embora não seja nem nunca tenha sido budista, flerto com alguns ensinamentos que eles "pregam". Quando vim ao Japão pensei que fosse encontrar um pouco dessa filosofia no dia a dia das pessoas - mindfulness, paciência, respeito pela natureza e pelo contato com ela, e pela simplicidade das coisas. Engano, engano, engano: as coisas aqui são bem diferentes em geral.
Todos os dias medito (raras exceções), e nos finais de semana lá vou eu meditar com os monges - algo sobre o qual falei aqui. Meditar com outras pessoas tem um quê muito único, difícil de descrever, mas talvez fale sobre isso outra hora. Tudo isso pra dizer que estive em Koyasan, uma cidade cheia de templos budistas e um lugar que há tempos gostaria de visitar. Muitas coisas interessantes e bonitas, onde talvez oque mais me tocou tenha sido o imenso silêncio que inundava os caminhos do cemitério de Okunoin à noite, que me surpreenderam ao desaguarem num mausoléu lindo, separado do cemitério por uma pontezinha (depois da qual fotos e imagens são proibidas, dado o quão sagrado o lugar é considerado) e todo iluminado por lanternas vermelhas.
Nesses dias não consegui fugir de momentos mais reflexivos. Pensei no quanto as coisas mudaram nesse meio tempo que separaram a vontade e primeiro plano de ir daquele dia em que eu finalmente estava lá. Refleti sobre minhas escolhas presentes, e respirei fundo pra processar o medo diante das próximas escolhas nas quais estou prestes a mergulhar. Impossível não olhar pra trás e pensar se tudo não passa de erro, de fracasso, de estar fazendo besteira, de estar me precipitando. Pensei naqueles que busco ao longo desse processo: naqueles que simplesmente só me ouvem, e nos poucos que simplesmente compartilham e entendem a dificuldade de algumas escolhas (embora a não impossibilidade de realizá-las).
No mais, enquanto buscava pelo link do post que mencionei, acabei tropeçando neste outro, no qual menciono um trecho de um livro da Clarice Lispector:
[...]
A deseroização é o grande fracasso de uma vida. Nem todos chegam a fracassar porque é tão trabalhoso, é preciso antes subir penosamente até enfim atingir a altura de poder cair - só posso alcançar a despersonalidade da mudez se eu antes tiver construido toda uma voz. Minhas civilizações eram necessárias para que eu subisse a ponto de ter de onde descer. É exatamente pelo malogro da voz que se vai pela primeira vez ouvir a própria mudez e a dos outros e a das coisas, e aceitá-la como a possível linguagem. Só então minha natureza é aceita, aceita com o seu suplício espantado, onde a dor não é alguma coisa que nos acontece, mas o que somos.
[...]
E é inútil procurar encurtar caminho e querer começar, já sabendo que a voz diz pouco, já começando por ser despessoal. Pois existe a trajetória, e a trajetória não é apenas um modo de ir. A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes. A via crucis não é um descaminho, é a passagem única, não se chega senão através dela e com ela. A insistência é o nosso esforço, a desistência é o prêmio. A este só se chega quando se experimentou o poder de construir, e, apesar do gosto de poder, prefere-se a desistência. A desistência tem que ser uma escolha. Desistir é a escolha mais sagrada de uma vida. Desistir é o verdadeiro instante humano. E só esta é a glória própria de minha condição.
"
Por destino tenho que ir buscar e por destino volto com as mãos vazias. Mas - volto com o indizível. O indizível só me poderá ser dado através do fracasso de minha linguagem. Só quando falha a construção, é que obtenho o que ela não conseguiu.
A paixão segundo G.H. - Clarice Lispector
Isso... algo que sempre falava pros meus alunos: fracasse, erre, cometa erros. Só assim você vai se permitir um dia acertar e entender. Errar e acertar parecem ser faces diametralmente opostas das coisas, quando na verdade se complementam e até mesmo se justapõem quando buscamos sentido, entender, iluminar algo que toma nossos pensamentos. Erre, aceite seus erros, aceite os erros dos outros, e se perdôe também: acho que só assim podemos crescer.
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