domingo, 28 de abril de 2019

Aos que ficaram pra trás

Um amigo perdeu o pai recentemente, outros sempre me falam dos seus, dos dias que o pai foi hospitalizado, da mãe ter ido pra UTI, da percepção súbita de que somos finitos. 

Recentemente, num podcast do qual gosto muito (This American Life), ouvi um episódio chamado "Left Behind", especificamente a parte "The Sudden Departure". Nele há um relato d euma cidadezinha nos Estados Unidos que votou majoritariamente pró-Trump e que, num belo dia, teve uma batida da imigração pra darcabo dos imigrantes ilegais que ali viviam e trabalhavam. Sendo sucinto e mesmo incompleto, no podcast há o relato de várias crianças que voltaram da escola nesse dia e não encontraram nenhum dos pais em casa, ou só um dos pais. Há também o relato de uma mulher que votou pró-Trump, que é a favor do "build the wall", que descreve oque foi ouvir uma criança chorar por não saber oque fazer por não ter mais nenhum dos pais por perto. Na hora me veio à cabeça algo que discuti com minha terapeuta há alguns meses: como, durante a infância, eu era assolado por épocas de intenso medo, um pânico absurdo, de perder a minha mãe (que me criou, dado que meus pais são separados). 

Acredito que só fui ter consciência de que eu fazia parte de uma "single mom/parent family" quando mudei pros EUA e alguns amigos me apontaram isso; acredito que diferentemente do Brasil, nos EUA esses "adjetivos familiares" ("single parent", "black/immigrant" etc, e o impacto deles no desenvolvimento emocional, financeiro, profissional, dentro outros) são algo mais frequentemente discutidos1. Enquanto nesse status, há esse elo, que é extremamente um elo de fragilidade e dependência. 

Sempre tive um pouco essa noção de finitude maternal/paternal. A primeira vez que me veio essa "consciência de finitude" e a "necessidade" de discutí-la foi depois de ter assistido a um documentário da NHK que coloquei num post antigona parte em que uma criança fala pra mãe dizer que não vai deixá-los. Vi isso e me vi quando criança fazendo o mesmo, pedindo uma asserção similar da minha mãe.

Em princípio esses assunto - single parent families e percepção de finitude dos pais - parecem meio díspares. No entanto não os sinto tão separados assim. Talvez oque eu queira frisar aqui é como, durante nosso crescimento, dependemos de coisas tão tênues, de algumas poucas pessoas, e como, de uma hora pra outra, esses elos podem "desaparecer" das nossas vidas, alterando nosso futuro por completo.

Uma amiga norte-americana me contou que, quando os pais se separaram, ela e os irmãos ficaram com o pai. Este, que nunca havia sido muito íntimo com os filhos, buscou estreitar seus laços simplesmente dividindo com eles o quão difícil a separação estava sendo pra ele. Segundo a mesma, estreitar aquele laço era algo impossível e pesado pra ela e os irmãos; não por menos, ela saiu de casa aos 17 anos: trabalhou servindo mesas por um tempo, e engravidou aos 20 e tanto. 

Interessante também eu só ter me dado conta de que, tendo pais que nunca fizeram faculdade (com um deles nem terminando o ensino médio, na verdade) eu cheguei a obter um PhD; e não digo isso com louvor, mas sim como uma observação estatística mesmo: as chances de isso acontecer, os "odds" em favor disso, são muito baixos. A meu ver, é mais um evento que se agarra como que pendurado por poucos dedos, com muita dificuldade mesmo, nessa linha bamba entre o "foi/não foi", algo que sempre me deixou reflexivo. Ressaltei o mesmo numa conversa com meu pai durante uma visita ao Brasil (alguns anos depois que mudei pros EUA), na qual disse que a chance de que as coisas tivessem saído de prumo eram muito, muito grandes. Foi a segunda vez na vida que vi meu pai chorar: ele, pernambucano, cabra-macho-que-não-chora, me falou entre lágrimas o quão grato era à mim mãe.

Termino aqui, meio "disperso" entre tantas idéias e direções; um tanto "scattered". Talvez seja um post sobre nossa finitude... sobre a finitude daqueles que amamos. Ou talvez, por um outro lado, apenas um post ressaltando que nós somo simplesmente vulneráveis e frágeis, e que isto faz parte da beleza e da natureza das nossas relações: no nascer, no criar, no viver, ensinar e aprender.



Na minha experiência em  falar sobre com brasileiros, os mesmos "brush it off", dão de ombros, ao tópico;  é assunto que ninguém dá atenção pelo fato de ser relativamente comum conhecer alguém nessa situação. Mas aí está a questão: é diferente tomar algo como comum por algo sem impacto.



2 comentários:

Anônimo disse...

É nessas horas que você tem que dar o play (https://www.youtube.com/watch?v=8YaOWBvx_Ms) e esperar o cisco cair no seu olho.

Rafael disse...

hahaha Ja caiu