domingo, 18 de novembro de 2018

Direto da Terra do Sol Nascente #41: Gincana do ryokan de Kinosani (participação ilustre)


Abre a porta
Tira o Sapato
Calça a pantufa de casa
Sobe a escada
Desvia a cabeça
Atravessa o corredor
Tira a pantufa de casa
Calça a pantufa do banheiro
Abre a porta do banheiro
Entra abaixando a cabeça
Fecha a porta do banheiro
Abre outra porta onde tem um buraco
Agacha
Alivia
Faz yoga
Abre a porta
Sai do box da privada
Fecha a porta do box
Abre a porta do banheiro
Sai do banheiro sem bater a cabeça
Fecha a porta do banheiro
Lava as mãos
Tira a pantufa do banheiro
Calça a pantufa de casa
Atravessa o corredor
Sobe a escada
Desvia a cabeça
Atravessa o corredor
Abre a porta do quarto
Tira a pantufa de casa
Entra no quarto esquivando a cabeça
Deita e comemora o fim da gincana

[por Léo e Natália, dois amigos de longa data, durante visita a Osaka]

Direto da Terra do Sol Nascente, #40: "On the road again?"


["Alice in the cities", por Win Wenders]

domingo, 11 de novembro de 2018

Direto da Terra do Sol Nascente, #39: sutras (ou seriam mantras?)

Ao fim de cada sessão de meditação nos templos budistas no Japão, termina-se com a leitura de um mantra... ou seria um sutra? Não sei... só sei que, logo após minhas primeiras visitas, quando notaram que eu seria mais que um gaikokujin curioso, me trouxeram um livreto velho, escrito "SOTO NO SUTRAS", onde uma transliteração das leituras estava presente (além de traduções, que poucas vezes li, pois ficam .. bom, outro dia explico).

É interessante ler os sutras, pois no geral eles são monotônicos: não são cantados, como nas leituras do corão (da qual falei uma vez no post ramadam). E acho que aí, nessa monotonia, jaz grande parte da beleza da coisa toda. Pra se começar, há um monge que lê o sutra de pé, e de certa forma, lidera a leitura. Aí as pessoas o acompanham, todos tentando ler ao mesmo tempo. Mas, em sendo o lugar grande, diversas pessoas lendo ao mesmo tempo, uams vozes despontam mais que outras: em geral as pessoas com voz muito forte ou estridente... ou, simplesmente, os desafinados. E essas pessoas têm a proeza de atrair as pessoas ao seu redor pro ritmo delas! E, no geral, elas não sincronizam muito bem com outras pessoas desafinadas/estridentes (no geral, as pessoas de voz mais forte parecem sincronizar melhor com outras). E segue assim, nesse mundo de vozes que parecem querer seguir os passos de um, de outro, do desafinado ali do canto, da mulher de voz estridente de cachecol vermelho, e por aí vai: um mar errante de vozes, como uma nuvem de vagalumes.

[digo isso por que vagalumes sincronizam]


 Mas o curioso não é a sincronicidade, mas esse vai-vem asíncrono (essa palavra existe?) das vozes "dominantes", dos grupos de vozes durante a leitura. 

Outra fonte de beleza infinita são as variações melódicas que algumas pessoas introduzem aqui e ali. Não só melódicas: talvez num lapso de atenção, umas pessoas esticam umas palavras, dão mais pausa aqui, ou ali.  E isso traz umas pequenas oscilações no fluxo da leitura que é muito bonita. Me soa um pouco como Ella e Louis Armstrong cantando no minuto 5:30 dessa música 


[por sinal, vou falar mais sobre esse álbum no futuro!]

Aí, uma hora uma pessoa que deixa de ler pra bocejar, noutra uma pessoa lê acentuando as palavras, outra pessoa lê mais cantado (uma senhora, ao lado das quais meditei algumas vezes, lê meio que  cantando). E, no meio disso, nascem pequenas harmonias, e a leitura, que em princípio era algo monotônico, se enriquece de umas micro-polifonias lindas que seguem amorfas, sem saber se, em algum momento, hão de chegar a lugar algum, ou mesmo se transformar em algo.

Em geral, antes que a resposta chegue, o sutra acaba. 
O sino toca. 
Juntamos as mãos  e nos curvamos em direção à parede em agradecimento. 
Nos levantamos.
E vamos embora em silêncio.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Um médico no campo (Kafka), por Koji Yamamura



"A country doctor", do Koji Yamamura.

Esse é um conto do Kafka muito interessante. Li há muitos anos, só lembrava da cena que mais de deu asco. Mas havia me esquecido do começo. 
Tenso.
É interessante a mistura de realidade com um quê onírico. Não entendo muito bem o porque de termos sempre tantos livros sobre médicos que vão pro fim do mundo trabalhar... vai ver eram esses os cientistas do século XIX e XVIII... há um livro muito bom do Bulkagov (isso, o do mestre e a margarida) chamado a young doctor's notebook, que é simplesmente genial. O mais interessante, em contraste com esse filme do conto do Kafka, é a universalidade do livro do Bulkagov: seja você dona de casa, carpinteiro, matemático, físico, não há como não se identificar. 

Fiquemos com esta animação por agora. Aproveitem.

ps: eu já havia postado algo desse animador nesse outro post.


domingo, 4 de novembro de 2018

Oque define a Matemática?



Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra. : 


- Mas qual é a pedra que sustenta a ponte? —pergunta Kublai Khan. 

 - A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra —responde Marco—, mas pela curva do arco que estas formam. 

Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta: 

 - Por que falar em pedras? Só o arco me interessa. 

Polo responde:  - Sem pedras, o arco não existe.

[Italo Calvino, Cidades Invisíveis]


Li isso e fiquei intrigado... pois pareceu definir muito bem um dia de trabalho meu, fazendo pesquisa, provando teoremas, tentando entender onde nascem as contradições, onde está o sentido naquilo que provo.  Me causa um enorme desconforto a aparente contradição, a dúvida e o entendimento andarem lado a lado, até se despedirem ali adiante, depois da curva, onde a razão ilumina e evidencia a natureza de suas diferenças. A meio do caminho vocês são no fundo a mesma coisa, e um não faz sentido sem o outro. Mas as matérias de que são feitos são aparentemente opostas.. embora uma não exista sem a outra.

Li, com os olhos cheios de curiosidade, e um pequeno sorriso nos lábios de ver que alguém, de "fora",  parece ter elucidado um pouco isso.

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Direto da Terra do Sol Nascente, #38: "te contei aquela?"

Te contei aquela do japonês da loja... ahhh sim, te contei, né?  Ééé...aquela foi boa... mas tenho uma melhor, do dia em que eu fui na praia aqui no... ahh te contei essa também? Não, não  me le'brava. [silêncio...barulho de vento] Puts, já ia me esquecendo de te falar, semana passada.... é...isso mesmo...você jé sabia? Quem te contou? Ah...eu? Nossa.... que coisa... tenho falado pelos cotovelos então hahaha.... Te falei do dia que eu tentei remarcar minha pales... é.. isso mesmo.... ai ai... esses japoneses...pelo visto te contei tudo já... vamos falar do Brasil en... ah..do Brasil você não quer falar?...entendo... acho que nem eu quero...

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Direto da Terra do Sol Nascente, #37:"um cafézinho, onegaishimasu"

Entro no café. "-Ohaiogosaimasu"...dou bom dia.

Lá do fundo já vou ounvindo os

"-gomenasai!! Gomenasai!!"

me desculpa... até que aparece o dono, pedindo desculpas.

"Me perdoe, mas a gente só abre às 11 da manhã"

Olho o relógio. São 10:57..."

...Mostro pra ele
... ele olha pra mim
...silêncio

Eu entendo e falo.

"-Ok, esperarei lá fora"

Ele se desculpa novamente.

3 minutos depois, lá aparece ele, me dando novamente bom dia e me perguntando oque eu gostaria de tomar.

"- Agora não quero mais porra nenhuma!"

 E quebro uma mesa de café com uma cadeira, dou uma outra cadeirada no balcão e derrubo as plantas da parede com uma mesa, que sabe-se lá como apareceu na minha mão. O dono sai em desespero pela rua, gritando "-nãããão, foram só 3 minutos!!! Gomenasai!!!" enquanto o persigo, olhos em brasa, sangue em erupção como monte Fuji algum já viu...

Acabado o devaneio digo

"-um café preto... um café preto...sem leite"

Sento na calçada, sob o sol, enquanto penso na máquina de lavar a terminar seu serviço a alguns metros dali.

Aguardo.

Meu café não chega... mas não conto os minutos pra saber quanto tempo espero. Mais de 3 minutos...quase certo disso.

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Direto da Terra do Sol Nascente, #36: winter has come ou "it`s all about pinhas"

Bom, muitos acham que vou falar de política, mas... na verdade vou falar sobre fins de namoro.

Por que talvez alguns se façam de desentendido, virem a cara, façam vista grossa e não queiram falar sobre. Mas namoros terminam. E dói. E digo mais: no final, e te pega a qualquer momento pra acertar as contas, esteja você onde estiver.
Um "vamos tira isso a limpo" que é como uma emboscada, sorrateiramente te esperando no vagão de trem, ou no mercadinho da esquina, quando toca aquela música melosa.

E aí não tem como: você chora ali mesmo, como eu chorei uma vez. Eu, coração partido, em meio a hortalicas, e  frutas

...e ouvindo simple red



A gente nao controla.

A saudade vitima mais um ser indefeso nesse mundo.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Direto da Terra do Sol Nascente, #34: ground control


 ou 

"Here am I floating 'round my tin can, far above the moon. Planet Earth is blue, and there's nothing I can do."

Esse versinho pode até soar meio bobo. Mas acho que tem que ser "ouvido" como parte do todo nessa música, que eu não conhecia até recentemente. A letra é uma estória, que começa com o lançamento de um foguete ao espaço e vai desde os preparativos para seu lançamento. 

Somos oniscientes, tudo vendo/ouvindo de longe. 

A base, o "ground control", se comunica com o Major Tom, pede para que este cheque os últimos detalhes, suas pílulas etc. No decorrer da viagem, o astronauta percebe que há algo de errado, começa a flutuar de maneira estranha, as estrelas lhe parecem estranhas. Pede então pra base avisar à esposa que a ama... a base responde em desespero dizendo que a esposa sabe. Embebidos em café e angústia, a base pede por esclarecimentos e mais coordenadas...até que não há mais contato com o foguete. 

Oque eu gosto dessa música é o fato dela ser cantada por uma só pessoa, e o contexto do "quem fala oque" ficar pro ouvinte. 

Aí ficam flutuando no espaço, como ondas intergaláticas as palavras da base de controle:

"-Can you hear me, Major Tom?"

 "-Major Tom, você me ouve?"

E a mensagem parece não chegar a lugar algum. Nós, ouvindo a música, parecemos testemunhas em primeira mão desse homem fora de órbita que hoje não vai voltar pra ver a esposa, para seus pais, para seus semelhantes, filhos (ou sobrinho!). 

Em contexto, essa música me soa particularmente interessante nesses dias de Japão onde tenho me sentido bem away, desconectado do "ground control" que são família, amigos e, até há pouco, namorada. Um momento em que me sinto flutuando no espaço, perdido, desconectado, me perguntando se minha nave sabe em que direção deve seguir.

"-Can you hear me, Raffaello?.... Can you hear me, Raffaello?"