quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Direto da Terra do Sol Nascente #101: jogado como uma rosa, no colo de uma morena

 

Caetano Veloso, Coqueiro de Itapuã


O ano termina cansado, com bateria a ser recarregada. Hoje ouvi essa música e me bateu uma saudades de algo que nunca ou quase nunca me dá saudades: praia, areia. Deu quase pra sentir o vento sibilando nas folhas dos coqueiros, os vendedores de biscoito globo aterrisando em qualquer praia do mundo, a água quente do nordeste brasileiro, a água transparente do mar do Chipre, os albatrozes pescando no mar na Carolina do Norte, a beleza dos calanques franceses, a surpresa em se estar num paraíso tão longe e tão perto de um grande centro como São Paulo, a água de côco refrescando uma sede universal que todo e qualquer homem sente, o sossego de se permitir descansar em férias, prostrado diante do cansaço que todo homem sente (ou deveria se permitir sentir).

... férias... break... pause... tudo oque preciso agora.  Vontade de sentir pelo corpo aquela sensação gostosa de entrar na casa da minha mãe e, mesmo sem estar ali por meses - às vezes mais de ano, me sentir em casa, certo de que aquele chão no qual me esparramo em descanso é meu também. Ser acolhido, receber beijo, me perder em abraços, me sentir como uma rosa jogada no colo de uma morena em itapuã.


2021, me aguarde que vou cobrar tudo isso de você.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Direto da Terra do Sol Nascente #100: com açúcar, com afeto... e pode ser com a mão bem leve?

É... eu bem achava que o post #100 da sessão vida nipônica fosse ser nobre como um samurai, leve como uma gueisha, embebido em zen budismo. Nobre, nobre até a último ponto final. 

Mas não... a vida é cheia de supresas. E tá bom,  você há de ler esse post e pensar "isso não é mais um blog, é um muro de lamentações!" 

Calma, leitor afoito... calma... isso ainda é um blog... só que a vida anda com tantos percalços que tá difícil não relatá-los aqui. Falar sobre oque: sobre o tempo? Pois veja: tempo também está uma merda. Hoje, por exemplo, voltando pra casa, levei um belo capote de bicicleta, e saí com os glúteos contundidos. 

Isso... caí de bunda mesmo. Por sorte não vinha carro na sequência, pois se tivesse... [melhor nem pensar]

Foi uma noite difícil. Depois do acidente voltei pra casa pianinho, andando devagar como um monge pra ver mais outros dois acidentes. "Devagar, pequeno gafanhoto", pensava eu, tendo acabado de beber do cálice da sabedoria que é a dor. 

No caminho do ciclista, há black ice em cada esquina pra alguém se estabefar. Quem que escreveu isso mesmo... Chico? Só sei que caiu como uma luva...bom, caiu pior que isso, como um piano em queda livre jogado do Empire States. Pra aliviar teria que parar nas casas de massagem ali da zona noturna da cidade... quem sabe aquelas senhoritas de mãos destras não aliviariam minha dor? "É na bunda, moça... mas pega leve, viu... tá doendo ainda". E olha que até sei falar bunda em japonês... mas pega leve vai com jeitinho... aí me complica... abri mão do "sonho" de massagem nas nádegas e voltei pra casa mesmo, pedalando como uma tartaruga (um caminho que leva em geral 20 min me levou 1 hora.. pra você ver o quão imediantemente sábio este que vos escreve se tornou. 

A dor engrandece o homem. E haja emplastro pra ajudar nessa tarefa!

Vou lá, queridos leitores, pro meu mest (messy + nest), dormir quentinho, de bundinha pra cima :P 

domingo, 6 de dezembro de 2020

Quadradinhos inertes em uma vida circular

Há pouco voltava pra casa mergulhado em pensamentos bobocas, refletindo nessa coincidências da vida, as que acontecem, e mesmo nas que não existem mas que insistimos em ver (e apurrinhar os outros falando sobre): em alguns dias me torno um indivíduo de 36 anos.

36 aninhos == 6 ao quadrado.

Lembro-me dos meus 25, pensando comigo mesmo que tinha um quarto de século, enquanto caminhava pelas ruas de Botafogo a caminho de um futuro incerto que parecia se acertar aos poucos, se alinhar nas curvas e meandros das oportunidades que apareciam adiante.

Aos 16, no colégio, temendo o vestibular, o futuro, ganhando confiança aos poucos de que não havia como as coisas piorarem, me equilibrando entre breves vislumbres de um futuro em que faria algo que gostaria e a realidade árida que me cercava: em qualquer corrida nós haviamos largado todos atrasados.

Aos 9, 4, 1... esses aniversários mal me lembro, mas certeza que não foram dos melhores... fico só pensando em como é agora, essas coincidências bestas. Tenho a certeza de que aos 25, 16, etc achava que aos 36 eu estaria como um quadrado, estático no mundo, firme como uma árvore com raízes afundadas no chão, inerte e pouco mutável, vivendo e crescendo no mesmo lugar, talvez do lado de um retângulo, cercado de quadradinhos. Aconteceu da vida pedir de mim viver mais como um círculo que se move a qualquer vento que bate, que em vista de qualquer ladeira não sabe fazer outra coisa senão se guiar pela gravidade. 

Um ouroboros, de um tratado de alquimia do século XV

Um círculo, como um ouroboros que eternamente se consome, perpetuando um ciclo interminável de (re)nascimento e morte.Um círculo, que almeja ser um quadrado. 

Será que se eu fosse um quadrado um dia estarei por aqui, a reclamar da quadradice dos meus dias, a sonhar em ser um círculo de novo? 


Curioso pensar nessas analogias. Há dias li na minha agenda, 

"só vive em possibilidades aquele que sabe que o futuro não é algo certo".

Na hora não lembrava de ter escrito aquilo. Chequei a letra com cuidado pra ver se a caligrafia era minha mesmo (sem sombra de dúvidas, a "quase indecifrabilidade" do texto não me deixou dúvidas). Ainda assim olhei pros lados, debaixo da mesa, pra saber se não havia algum doende rindo de como consigo ficar confuso comigo mesmo, diantes de súbitos momentos de lucidez, como ilhas de serenidade num mar de vagas incertezas.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Direto da Terra do Sol Nascente #99: very small, nano, talks

Vai... pensa em conversa fiada....
Que frio hoje. 
Que dia bonito.
Tempo bom essa manhãm não?
E o mengão este fim de semana?
Será que chove hoje?

Agora pensa nisso sendo uma parte considerável (95%) da tua comunicação diária?

Isso é oque viver no Japão tem sido isso pra mim: conversas ralas, destituídas de significado. Talvez seja a parte de ser estrangeiro nessa terra que mais me faz me sentir isolado: em interesses, em idéias. 

Os motivos são vários, e a barreira da língua certamente é um deles. Mesmo quando não existe uma barreira de comunicação, a conversa é por aí mesmo: "quantos cafés você toma por dia?", "que manhã bonita", "otsukare-sama" (que não tem tradução, mas é como um "você está fazendo um bom trabalho"... algo assim). 

Posso soar injusto, mas  de acordo com muita gente que mora aqui, e que fala a lingua fluentemente, o japonês não fala sobre política, sobre assunto difícil, sobre o mundo, sobre nada muito delicado. Da única vez que ousei enviar um email falando sobre desigualdade de gênero no Japão eu fui simplesmente ignorado: meu email caiu num buraco negro e nunca nem foi comentado. Numa outra ocasião, diante de um email entusiasmado anunciando a visita de um representante de uma empresa que vendia máquinas de café em cápsula, fui o primeiro a enviar um email pra todos dizendo que tais máquina geravam um lixo absurdo e que estavam sendo proibidas em diversos países europeus (nota: falei e enviei um link pra uma matérias de jornal). 

Resultado: no dia seguinte compraram TRÊS MÁQUINAS DE CAFÉ! Ninguém nem se quer deu ao trabalho de conversar quando puxei assunto sobre (antes da compra).

Mesmo se comparado à distância que sinto do resto do mundo, estar cercado por pessoas que tem um grau de preocupação com seu arredor tão baixo, tamanhenorme-desmesuradapatia (mesmo com relação aos rumos do próprio país deles!)... é o que mais me entristece. Vivo de tentar transpor uma barreira intransponível que linguagem nenhuma ou anos de estudo da lingua não me dariam, pois é a natureza da sociedade deles: um trabalho hercúleo que não faria sentido. "Rafaello, o homem que tentou transponir o intransponível": essa frase, gramaticalmente errada, é lindamente poética é a pedra fundamental do que sinto por dentro desde que pisei neste país, e que pouca gente que não mora aqui - se é que alguém - conseguiu entender quando falo do que é estar nessas terras.

Às vezes penso se é amargura minha... se toda forma de comunicação, seja lá qual for, terá um certo resíduo de small talk necessário. Bandeira branca! Ok! Tolero! Aceito! Mas acho absurdo ter que viver somente - (só!) - disso. Me dêem palavras, idéias, erros, o contraste, o contrário,  algo que me indique como vêem o mundo!

Odeiem-me, ou discordem de mim! Só não me ignorem dizendo que o dia está lindo e o tempo está bom!!

[Hoje tô chutando pedras... melhor ir dormir.]