sábado, 21 de novembro de 2020

Dinossauros míopes, paranóicos, e de pochete: as mentiras que contamos a nos mesmos

Há um tempo que eu penso nisso: será que minto a mim mesmo? Por exemplo: vivo dizendo a mim mesmo que consigo conversar bem com pessoas em geral. É verdade? Será que me mostro interessado nelas? Será que é recíproco? Será que ouço tanto quanto acho que ouço, que estou aberto e disposto a aprender com elas o tanto que acho que estou?

Essa é uma das coisas que notei recentemente: essa dúvida, esse embate entre oque "vejo" e "o mundo como ele realmente é" vive em mim como uma constante. Algo que tanto me puxa pra frente, ao criar mecanismos anti-auto-sabotagem (que todos temos), mas me puxa pra trás ao minar minha auto-confiança de que sim-é-isso-e-ponto-final. Como um yin-yang cujo significado é sempre dúbio e multifacetado, sigo interpretando o mundo por essa lente bifocal, que não sabe se oque vê é oque realmente ali está.

Fico sempre me perguntando: será que há algo que todos vêem e não vejo? Há algo que acontece comigo e não sei? Coisas que não falam diretamente pra mim? É uma sensação estranha e desconfortável esta... me sinto como um homem que anda com uma pochete: todos olham e acham graça, enquanto ele SIMPLESMENTE SE ACHA COOL por ter todas as ferramente que precisa à mão. No entanto, não há universo social no qual esses indivíduos ainda caibam, nem mesmo uma pessoa generosa que a usa sua pochete pra carregar coisas que ajudam  os outros: você se acha cool e acessível, enquanto os outros ao redor te acham um dinossauro da década de 80.

Meu grande medo: ser esse dinossauro.

E a questão nem é bem física, com pochetes e tudo o mais; a questão é mais delicada: traços de personalidade indetectáveis, sinais de que você está meio off, evidências que estão debaixo do seu nariz mas que - por estarem tão perto - se mostram um tanto longe da nossa compreensão. 

Esse receio de que algo se passa ao nosso redor de forma ignorada é um tanto irracional: me aflijo em imaginar que existe lá fora uma forma diferente de se ver alguma coisa e que eu, por pura e simples ignorância, desconheço. Um grande sinal das minhas limitações, das quais muitas vezes acho graça, mas que noutras são um peso enorme nesse barco que eu remo pelo mundo. Um dinossauro míope, de pochete. E paranóico? Eu? Euzinho?

É estranho esse friozinho na barriga diante da sensação de se estar perdendo alguma coisa, de algo estar nas suas mãos mas escoar entre os dedos. Recentemente tenho tentado entender melhor as origens disso: escavo, escavo dentro de mim, e às vezes acabo em becos sem saída, ou rindo de pensamentos que vão e voltam na minha cabeça. Por exemplo, me aflijo em imaginar que cometo um erro idiota num projeto. Me dá aflição também sentir cheiro de queimado quando ando pela rua: me remete a questões idiotas como "pouts...será que deixei o forno ou o gás ligado? Quando vejo um caminhão de bombeiros então, vem à cabeça uma grande novela russa, onde por uma ironia do destino o tal caminhão segue diretamente pra minha casa queimardendo em chamas enquanto eu sigo o meu dia. Há coisas menos dramáticas também, como "será que não estou perdendo tempo tentando entender esse livro hermético quando na verdade existe um outro que é muito mais claro?" Como uma moeda, meus mecanismos anti-auto-sabotagem escondem a auto-sabotagem na sua outra face.

klashfçdsfk;nqweçryu íad tento provar pra mim mesmo que não sou um dinossauro batendo os dedos aleatóriamente sobre o teclado. Seria eu um caso único de infinite monkey theorem1, e que até aqui fui entendido pelos meus por pura e simples infinitesimal sorte? Um monstro pro qual nunca viraram e falaram: "Rafaello, me desculpa, mas você nunca notou que você é o único dinossauro nessa sala?"... aí eu sairia correndo, derrubando cadeiras com minha cauda de estegossauro, pra chorar lágrimas de crocodilo escondido no banheiro, grunhindo.

Não sei... vai ver no fundo sou um cachorro vira-lata mesmo.


1 Infinite monkey theorem  é uma ilustração de um resultado em probabilidade (Teoremas de Borel-Cantelli) que dizem que se um macaco se sentar por um tempo infinito na frente de um computador e nele digitasse então existe probabilidade 1 (ou seja, 100% certo) que  o conjunto completo de obras de Shakespeare estaria contido no resultado. Há alguns anos atrás na Inglaterra fizeram um experimento real com alguns macacos, por alguns dias; as tais "obras complestas" estão neste curto pdf e estão longe de se parecer com Shakespeare. Segundo ouvi de uma outra fonte, os macacos não só destruíram o computador no decorrer do experimento, mas ainda fizeram cocô nele todo.... inusitados atos poéticos que nem Shakespeare seria capaz de elaborar.  

sábado, 7 de novembro de 2020

Direto da Terra do Sol Nascente #98: dar as costas, caminhar (ou "marcenaria dos horrores")

Curioso o post anterior ser sobre labirintos, que parece um assunto tão "top trending" na minha vida recentemente... Bem,talvez não; talvez seja tudo uma combinação de coisas que me vêm à cabeça, e se encadeiam num emaranhado de coisas que parecem ser sentido, mas que têm forma, sentido e porque.

Diantes das minhas brincadeiras matemáticas com labirintos, processos randômicos no plano, e outras coisas, resolvi ter um hankô (判子), um selo desses antigos que japoneses e outros asiáticos usam. (Mesmo nos dias de hoje!)

Fiquei imaginando se me pegaria embasbacado diante da beleza de um labirinto que fosse meu, ou se depois de um efêmero furor animado cairia enfadado nos corredores do mesmo, como o Minotauro do conto de Borges.

Sabe-se lá por que, tive a idéia de tentar esculpí-lo eu mesmo. Como se fossem paredes que eu tivesse que erguer. Um dos grandes poréns dessa jornada foi arrumar madeira: nem faço idéia de onde existe marcenaria por perto! Numa deliberação rápida comigo mesmo, resolvi caminhar pelo parque perto de casa e tentar encontrar algum toco de madeira que ali encontrasse. Tudo oque vi, e que foi pouco, era ou muito grande ou muito velho. Como serrar algo se só possuo um canivete suiço?


Me veio uma outra idéia mais desesperada: sacrificar uma bonequinha kokeshi (há foto de uma, chamada "Kinoko", no post Direto da Terra do Sol Nascente # 72: the great wave (aftermath)). 


Não, calma!! Kinoko-san está bem, segura, salva, e com uma irmãzinha (Shimeji-san). "Sacrifiquei" uma outra que planejava levar pro Brasil pra dar de presente a amigos. Mas não me foi fácil: olhei pra ela e me senti cometendo um crime, pro qual buscava escusas dentro de mim, para poder dizer a ela.... Pensei se algo justificava tanta "brutalidade". Tentei me convencer de que era feia, de que era velha, de que estava suja... mas só olhava aquela menina de madeira que sobreviveu a tantos terremotos, sabe-se lá quantas casas, pra ser abandonada numa loja de antiguidades e ser encontrada por um brasileiro que pusesse fim aos seus dias "por um motivo torpe". 

Por uns minutos meu coração afundou diante do significado daquilo.1 Pensei na estória de Perseu, que depois de matar o minotauro e conseguir sair do labirinto seguindo o fio que Ariadne lhe dera, leva Ariadne consigo para longe da ilha de Creta a pedido dessa;  Ariadne queria sair dali "para que sua beleza fosse adorada por todos". Na primeira parada do navio, Ariadne tira uma soneca debaixo de uma árvore (provavelmente comeu muito, comida pesada, num botequim local.. não sabemos ao certo) e é deixada pra trás por Perseu que, numa filhadaputice sem limites, dizia a si mesmo que cumprira sua parte: "sim, a tirei da ilha".


Durante esse processo, eu acabei ouvindo uma versão de uma música do Gil que me pegou, pelo significado, pelas palavras, pelo conteúdo, pelo contexto.

Se eu quiser falar com Deus, Gilberto Gil

Pensei nesse fio de Ariadne que Perseu busca pra encontrar a saída do labirinto, e que Gil tanto precisaria pra tentar subir aos céus, já que não possui cordas por onde se segurar... pensei no grande propósito de ter que seguir adiante sem me apegar ao valor figurativo daquilo: não seria um fim, não seria morte e, acimda de tudo, não haveria sangue (pois se houvesse eu desmaiaria). 

...."Aceitar a dor"...

Nesse mesmo novelo, me sentia emaranhado, como que enroscado no peso das coisas que carrego comigo; coisas das quais, no fundo, não preciso. Olhei de novo praquela menina, pedi desculpas, e segui adiante buscando erguer as paredes que precisava, para que outros tantos viajantes se perdessem, criar meu labirinto "Minotauro-free"....dava as costas, caminhava, pra seguir sabe-se lá pra onde, pra chegar a nada, nada, nada do que buscava exatamente quando comecei... 


... talvez, no fundo, a beleza de algumas coisas esteja no caminho que elas nos levam a percorrer, e não em termos algo desde o princípio por encontrar.



1 Esse é um dos motivos pelo qual me condeno a sempre fazer muito menos do que gostaria: atraso deliberações por ficar imaginando essas estórias, significados distintos, que só fariam sentido num universo paralelo... 

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Democracia em ebulição

 Há quatro anos atrás escrevi sobre o tema de hoje em "good morning, mini apple" Ainda me lembro de estar na cama e olhar o site do NY times mais uma vez antes de tentar dormir: como caldeiras em ebulição, os ponteiros de "probably Trump", que até poucos minutos atrás apontavam 95% de chance de Hillary Clinton ganhar, agora apontavam o oposto. 

Os ponteiros em vermelho, parecia um prenúncio de lavas e destruição. Olhava pr'aquilo como se estivesse diante de uma caldeira em ebulição, fora de controle, prestes a explodir. Como se dormir fosse resolver o problema, tentei cair no sono, pra acordar e ver um grande "Trump Triumphs", na primeira página do mesmo nytimes que dias antes apontara uma vitória improvável do republicano. "Trump Triumphs", como uma brincadeira de mau gosto, um trava lingua anti-democrático, um Trump que triunfa apontava para o pior dos medos de muitos que eu conhecia, e que junto comigo até aquele dia pareciam ignorar que o mundo que nos cercava.

Ir pro trabalho foi difícil. A cidade parecia a mesma, embora o mundo parecesse diferente de alguma maneira. Onde estariam escondidas aquelas  pessoas que corroboraram com aquilo? Será que me olhavam por detras das cortinas de suas casas? Seria aquele aluno que reprovei no semestre passado? Seria um amigo, ou alguém que considerara um amigo, mas que no fundo.... apunhalava-me, "imigrante" que era, pelas costas?

Hoje me bate o mesmo medo ao ver esses ponteiros indicando a mesma coisa na Flórida, Carolina do Norte e Geórgia. Me pesa escrever isso, mas talvez menos do que da primeira vez. Talvez eu esteja, como muitos dos meus, "numb", anestesiado diante de tanto ódio, discursos divisivos, diante de uma democracia que se diz englobar todas as faces com uma face só. 


Aguardo... embora não espere muito mais do que o mesmo.