sábado, 22 de junho de 2019

Pequeno ensaio sobre a cegueira acadêmica

Esse talvez seja o primeiro post de alguns. Por que o assunto vai longe, longe mesmo. 

Acabo de voltar a uma visita a uns colaboradores, ansioso por discutir inteligência artificial e machine learning com eles e, assim, escrever meu primeiro artigo na área.

Mas as coisas foram um pouco mais delicadas, pois o conceito de ciência pode variar de área pra área (e de pessoa pra pessoa: muito matemático aceita um "it is clear that", ou um "it holds by inspection", ou ainda um "it is similar to the results in [2,3,43,65]").

  • First red flag: o colaborador senta na frente de um computador pra dizer que está trabalhando na introdução do artigo e me envia depois de uma hora um rascunho cheio de erros de inglês, e igualzinho a todos os outros artigos que eu li dele. 
  • Second red flag: o colaborador quer tirar conclusões sem ter dados o bastante, ou sem embasamento. Seria o mesmo que fazermos uma pesquisa de intenção de votos de um país só entrevistando nossos amigos, ou entrevistando pessoas na saída da convenção de um partido somente.
  • Third red flag: o colaborador diz que está muito ocupado porque está escrevendo 5 artigos na (mesma) semana. E, sem nem estarmos próximos do fim deste, já quer escrever outros dois.
  • Fourth red flag: o colaborador quer me ludibriar com títulos e convites. "Vou colocar teu nome como pesquisador visitante", "colaborador extraordinário". vamos escrever 50 milhões de artigos e dominar a área"... um monte de  besteira pra tentar inflar meu ego me ganhar.
Dentre muitas outros sinais de alerta, eu saí de lá abismado com tanta inconsistência, já que é um americano falando mal do Japão e dos pesquisadores japoneses, mas fazendo igualzinho a eles. . Saí de lá triste e um tanto chocado com a falta de rigor científico em prol do "vamos publicar isso de qualquer forma". Isso me lembra um pouco um aspecto do que Paulo Freire fala quanto a hospedar o opressor (bom, uma adaptação tosca, que talvez não valha se você olhar mais profundamente): você critica, cirtica e critica, mas quando te é dado a chance de fazer algo diferente você vai e.... faz igualzinho àqueles que criticava! Isso por que você não se dá conta que o que leva as pessoas a agirem daquela forma é o contexto em que elas estão, e que agora é o mesmo que o teu. E mais: acredite ou não, depois de ouvir um monólogo de demonização da academia nipônica, eu que critico os cientistas japoneses várias vezes saí em defesa deles. 

"-Já vi o mesmo acontecer nos EUA, no Brasil, e na Europa, aqui não é nem melhor nem pior em alguns aspectos," disse.

Olha: eu realmente não sou o cientista de maior sucesso do mundo, super produtivo, muito menos um cara super inteligente. Mas eu tenho meus limites éticos, e não me sinto confortável se me pedirem pra colocar meu nome em coisas nas quais não acredito: simplesmente digo não. Quando esses limites ultrapassam algumas barreiras eu não faço objeção alguma em dizer, contestar, e até mesmo em jogar o trabalho inteiro fora pra não fazer parte dele. Talvez minha grande virtude - e provavelmente meu grande defeito - seja este, de ter que acreditar com meus próprios olhos pra poder ajudar a remar o barco. Do contrário, melhor não contar comigo. Eu não tenho vergonha de abrir mão de algo que escrevi, de melhorar uma idéia, um parágrafo, escrever um artigo de um jeito que eu gostaria, ou mesmo de fazer as coisas de um jeito que quero, contanto que eu me sinta satisfeito e confiante de que oque fizemos ali está correto e bem fundamentado. Agora.... ir aos tropeços...? Não... aí eu não consigo. 

Serviu pra que eu visse também que muita gente usando umas ferramentas incrivelmente poderosas por aí (como um computador 250 mais potente que o meu) não faz a menor idéia do por que das coisas serem do jeito que são: triste saber e testemunhar, mas ciência (well... "ciência") parece progredir mais aos tropeços do que em passos firmes. Pior ainda é me perceber, mais uma vez, numa colaboração em que eu me sinto dando mais que a outra parte.

Pra não dizer que só chorei pitangas: há idéias bem legais no projeto, e dá pra seguir adiante. Mas... não dá pra deixar a raposa tomando conta do galinheiro hahaha :P

Pra finalizar, recentemente, enquanto no Brasil, ao me ouvir falar sobre as impressões sobre a academia no Japão, minha irmã me recomendou esses artigo 


[Durante a visita terminei minha "prova-entrevista"]
[Tô na última fase!!!]
[Semana que vem é entrevista pelo Skype já e.... quem sabe já role a oferta :) ]

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