domingo, 29 de janeiro de 2012

A menina de lá - João Guimarães Rosa


Sua casa ficava para trás da Serra do Mim, quase no meio de um brejo de água limpa, lugar chamado o Temor-de-Deus. 







O Pai, pequeno sitiante, lidava com vacas e arroz; a Mãe, urucuiana, nunca tirava o terço da mão, mesmo quando matando galinhas ou passando descompostura em alguém.

 E ela, menininha, por nome Maria, Nhinhinha dita, nascera já muito para miúda, cabeçudota e com olhos enormes.









Não que parecesse olhar ou enxergar de propósito. Parava quieta, não queria bruxas de pano, brinquedo nenhum, sempre sentadinha onde se achasse, pouco se mexia. – "Ninguém entende muita coisa que ela fala..." – dizia o Pai, com certo espanto. Menos pela estranhez das palavras, pois só em raro ela perguntava, por exemplo: - "Ele xurugou?" – e, vai ver, quem e o quê, jamais se saberia. Mas, pelo esquisito do juízo ou enfeitado do sentido. Com riso imprevisto: - "Tatu não vê a lua..." – ela falasse. Ou referia estórias, absurdas, vagas, tudo muito curto: da abelha que se voou para uma nuvem; de uma porção de meninas e meninos sentados a uma mesa de doces, comprida, comprida, por tempo que nem se acabava; ou da precisão de se fazer lista das coisas todas que no dia por dia a gente vem perdendo. Só a pura vida.



Em geral, porém, Nhinhinha, com seus nem quatro anos, não incomodava ninguém, e não se fazia notada, a não ser pela perfeita calma, imobilidade e silêncios. Nem parecia gostar ou desgostar especialmente de coisa ou pessoa nenhuma. Botavam para ela a comida, ela continuava sentada, o prato de folha no colo, comia logo a carne ou o ovo, os torresmos, o do que fosse mais gostoso e atraente, e ia consumindo depois o resto, feijão, angu, ou arroz, abóbora, com artística lentidão. De vê-la tão perpétua e imperturbada, a gente se assustava de repente. – "Nhinhinha, que é que você está fazendo?" – perguntava-se. E ela respondia, alongada, sorrida, moduladamente: - "Eu... to-u... fa-a-zendo". Fazia vácuos. Seria mesmo seu tanto tolinha?




Nada a intimidava. Ouvia o Pai querendo que a Mãe coasse um café forte, e comentava, se sorrindo: - "Menino pidão... Menino pidão..." Costumava também dirigir-se à Mãe desse jeito: - "Menina grande... Menina grande..." Com isso Pai e Mãe davam de zangar-se. Em vão. Nhinhinha murmurava só: - "Deixa... Deixa..." – suasibilíssima, inábil como uma flor. O mesmo dizia quando vinham chamá-la para qualquer novidade, dessas de entusiasmar adultos e crianças. Não se importava com os acontecimentos. Tranqüila, mas viçosa em saúde. Ninguém tinha real poder sobre ela, não se sabiam suas preferências. Como puni-la? E, bater-lhe, não ousassem; nem havia motivo. Mas, o respeito que tinha por Mãe e Pai, parecia mais uma engraças espécie de tolerância. E Nhinhinha gostava de mim.






Conversávamos, agora. Ela apreciava o casacão da noite. – "Cheiinhas!" – olhava as estrelas, deléveis, sobrehumanas. Chamava-as de "estrelinhas pia-pia". Repetia: - "Tudo nascendo!" – essa sua exclamação dileta, em muitas ocasiões, com o deferir de um sorriso. E o ar. Dizia que o ar estava com cheiro de lembrança. – "A gente não vê quando o vento se acaba..." Estava no quintal, vestidinha de amarelo. O que falava, às vezes era comum, a gente é que ouvia exagerado: - "Alturas de urubuir..." Não, dissera só: - "... altura de urubu não ir." O dedinho chegava quase no céu. Lembrou-se de: - "Jabuticaba de vem-mever..." Suspirava, depois: - "Eu quero ir para lá." – Aonde? – "Não sei" Aí, observou: - "O passarinho desapareceu de cantar..." De fato, o passarinho tinha estado cantando, e, no escorregar do tempo, eu pensava que não estivesse ouvindo; agora, ele se interrompera. Eu disse: - "A Avezinha." De por diante, Nhinhinha passou a chamar o sabiá de "Senhora Vizinha..." E tinha respostas mais longas: - "Eeu? Tou fazendo saudade." Outra hora falava-se de parentes já mortos, ela riu: - "Vou visitar eles..." Ralhei, dei conselhos, disse que ela estava com a lua. Olhou-me, zombaz, seus olhos muito perspectivos: - "Ele te xurugou?" Nunca mais vi Nhinhinha.




Sei, porém, que foi por aí que ela começou a fazer milagres.

Nem Mãe nem Pai acharam logo a maravilha, repentina. Mas Tiantônia. Parece que foi de manhã. Nhinhinha, só, sentada, olhando o nada diante das pessoas: - "Eu queria o sapo vir aqui" Se bem a ouviram, pensaram fosse um patranhar, o de seus disparates, de sempre. Tiantônia, por vezo, acenou-lhe com o dedo. Mas, aí, reto, aos pulinhos, o ser entrava na sala, para aos pés de Nhinhinha – e não o sapo de papo, mas uma bela rã brejeira, vinda do verduroso, a rã verdíssima. Visita dessas jamais acontecera. E ela riu: - "Está trabalhando um feitiço..." Os outros se pasmaram; silenciaram demais.





Dias depois, com o mesmo sossego: - "Eu queria uma pamonhinha de goiabada" – sussurrou; e, nem bem meia hora, chegou uma dona, de longe, que trazia os pãezinhos da goiabada enrolada na palha. Aquilo, quem entendia? Nem os outros prodígios, que vieram se seguindo. O que ela queria, que falava, súbito acontecia. Só que queria muito pouco, e sempre as coisas levianas e descuidosas, o que não põe nem quita. Assim, quando a Mãe adoeceu de dores, que eram de nenhum remédio, não houve fazer com que Nhinhinha lhe falasse a cura. Sorria apenas, segredando seu – "Deixa... Deixa..." – não a podiam despersuadir. Mas veio vagarosa, abraçou a Mãe e a beijou , quentinha. A Mãe, que a olhava com estarrecida fé, sarou-se então, num minuto. Souberam que ela tinha também outros modos.



Decidiram de guardar segredo. Não viessem ali os curiosos, gente maldosa e interesseira, com escândalos. Ou os padres, o bispo, quisessem tomar conta da menina, levá-la para sério convento. Ninguém, nem os parentes de mais perto, devia saber. Também, o Pai, Tiantônia e a Mãe, nem queria versar conversas, sentiam um medo extraordinário da coisa. Achavam ilusão.


O que ao Pai, aos poucos, pegava a aborrecer, era que de tudo não se tirasse o sensato proveito. Veio a seca, maior, até o brejo ameaçava se estorricar. Experimentaram pedir a Nhinhinha: que quisesse a chuva. – "Mas, não pode, ué..." – ela sacudiu a cabecinha. Instaram-na: que, se não, se acabava tudo, o leito, o arroz, a carne, os doces, frutas, o melado. – "Deixa... Deixa..." – se sorria, repousada, chegou a fechar os olhos, ao insistirem, no súbito adormecer das andorinhas.

Daí a duas manhãs quis: queria o arco-íris. Choveu. E logo aparecia o arco-da-velha, sobressaído em verde e o vermelho – que era mais um vivo cor-de-rosa. Nhinhinha se alegrou, fora do sério, à tarde do dia, com a refrescação. Fez o que nunca lhe vira, pular e correr por casa e quintal.

- "Adivinhou passarinho verde?" – Pai e Mãe se perguntavam. Esses, os passarinhos, cantavam, deputados de um reino. Mas houve que, a certo momento, Tiantônia repreendesse a menina, muito brava, muito forte, sem usos, até a Mãe e o Pai não entenderam aquilo, não gostaram. E Nhinhinha, branda, tornou a ficar sentadinha, inalterada que nem se sonhasse, ainda mais imóvel, com seu passarinho-verde pensamento. Pai e Mãe cochichavam, contentes: que, quando ela crescesse e tomasse juízo, ia poder ajudar muito a eles, conforme à Providência decerto prazia que fosse.

E, vai, Nhinhinha adoeceu e morreu. Diz-se que da má água desses ares. Todos os vivos atos se passam longe demais.

Desabado aquele feito, houve muitas diversas dores, de todos, dos de casa: um de-repente enorme. A Mãe, o Pai e Tiantônia davam conta de que era a mesma coisa que se cada um deles tivesse morrido por metade. E mais para repassar o coração, de se ver quando a Mãe desfiava o terço, mas em vez das ave-marias podendo só gemer aquilo de – "Menina grande... Menina grande..." – com toda ferocidade. E o Pai alisava com as mãos o tamboretinho em que Nhinhinha se sentava tanto, e em que ele mesmo se sentar não podia, que com o peso de seu corpo de homem o tamboretinho se quebrava.

Agora, precisavam de mandar um recado, ao arraial, para fazerem o caixão e aprontarem o enterro, com acompanhantes de virgens e anjos. 



Aí, Tiantônia tomou coragem, carecia de contar: que, naquele dia, do arco-íris da chuva, do passarinho, Nhinhinha tinha falado despropositado de satino, por isso com ela ralhara. O que fora: que queria um caixãozinho cor-de-rosa, com enfeites de verdes brilhantes... A agouraria! Agora, era para se encomendar o caixãozinho assim, sua vontade?



O Pai, em bruscas lágrimas, esbravejou: que não! Ah, que, se consentisse nisso, era como tomar culpa, estar ajudando ainda Nhinhinha a morrer...

A Mãe queria, ela começou a discutir com o Pai. Mas, no mais choro, se serenou – o sorriso tão bom, tão grande – suspensão num pensamento: que não era preciso encomendar, nem explicar, pois havia de sair bem assim, do jeito, cor-de-rosa com verdes funebrilhos, porque era, tinha de ser! – pelo milagre, o de sua filhinha em glória, Santa Nhinhinha.

(in Primeiras Estórias, João Guimarães Rosa, Editora Nova Fronteira)







[ Gracas ao blog http://nasentrelinhasdaliteratura.blogspot.com/2010/05/menina-de-la-joao-guimaraes-rosa.html , não tive que perder horas digitando este texto. ]

[ Agradecido, mesmo =)  ]



quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Poema em C++;


int main( int argc, char *argv[ ])
{
int  brasil = 10; 
int rafael =0;                              /* um zero à direita... =P .... que piada horrível */
int saudade =0;                         /* uma saudade quantizada... possível? */
int home =  0;                    
int phd_status = 0;
int slave_work = -1;                  /* essa variável tem valor fixo (e negativo) */ 
float phd_regressivo = 4*365;  /* essa variável conta os dias para o fim do PhD*/
float pi = 3.1416;                     /* arredondado pra cima... */ 

while( phd_regressivo > 0)
{
     if (phd_regressivo >  pi )
     { saudade = saudade +10^6;
        rafael = rafael -1;
        phd_status = phd_status +slave_work;
       // break;
     }
     else
        rafael++;              /* "rafael = rafael + 1;"...  sucinto.... =P */ 
        phd_status ++;
     }                
     phd_regressivo = phd_regressivo -1;
}
          home = brasil;
return home;      /*   =)   */       
                          /*tomara que essa porra compile.... e não entre em loop rsrs */
}




sábado, 21 de janeiro de 2012

Neste exato momento, do outro lado do mundo...

Eu realmente não ia postar mais nada hoje, mas as circunstâncias me forçaram a isso. Há pouco, me  deitei ao lado do meu abajur que mal me ilumina, mal liga, pra ler um pouco... dou um play



... e abro um livro de onde o havia abandonado. Um grandenorme   31 aparece... como mais um número no meu dia. A cabeça ainda cheia de coisas, Nash- Moser iteration schemes, bukowski que me vem à lembrança, um poema, uma foto, uma pista de dança lotada de gente, o nascer de sol vermelho dessa terra, um copyright infringement notice... olho para o número e ouço os primeiros sinais da música. Lá fora, só-chuva-que-pelo-menos-não-é-neve... me ajeito um pouco melhor, ajeito o travesseiro... olho para o número...começo a ler:

"     O relógio que está lá para trás, na casa deserta, porque todos dormem, deixa cair lentamente o quádruplo som claro das quatro horas de quando é noite. Não dormi ainda, nem espero dormir. Sem que nada me detenha a atenção, e assim não durma, ou me pese no corpo, e por isso não sossegue, jazo na sombra, que o luar vago dos candeeiros da rua torna ainda mais desacompanhada, o silêncio amortecido do meu corpo estranho.
Nem sei pensar, do sono que tenho; nem sei sentir, do sono que não consigo ter.
      Tudo em meu torno é o universo nu, abstrato, feito de negações noturnas. Divido-me em cansado e inquieto, e chego a tocar com a sensação do corpo um conhecimento metafísico do mistério das coisas. Por vezes amolece-se-me a alma, e então os pormenores sem forma da vida quotidiana boiam-se-me à superfície da consciência, e estou fazendo lançamentos à tona de não poder dormir. Outras vezes, acordo de dentro do meio-sono em que estagnei, e imagens vagas, de um colorido poético e involuntário, deixam escorrer pela minha desatenção o seu espetáculo sem ruídos. Não tenho os olhos inteiramente cerrados. Orla-me a vista frouxa uma luz que vem de longe; são os candeeiros públicos acesos lá em baixo, nos confins abandonados da rua.
      Cessar, dormir, substituir esta consciência intervalada por melhores coisas melancólicas ditas em segredo ao que me desconhecesse!… Cessar, passar fluido e ribeirinho, fluxo e refluxo de um mar vasto, em costas visíveis na noite em que verdadeiramente se dormisse!… Cessar, ser incógnito e externo, movimento de ramos em áleas afastadas, tênue cair de folhas, conhecido no som mais que na queda, mar alto fino dos repuxos ao longe, e todo o indefinido dos parques na noite, perdidos entre emaranhamentos contínuos, labirintos naturais da treva!… Cessar, acabar finalmente, mas com uma sobrevivência translata, ser a página de um livro, a madeixa de um cabelo solto, o oscilar da trepadeira ao pé da janela entreaberta, os passos sem importância no cascalho fino da curva, o último fumo alto da aldeia que adormece, o esquecimento do chicote do carroceiro à beira matutina do caminho… O absurdo, a confusão, o apagamento — tudo que não fosse a vida…
     E durmo, a meu modo, sem sono nem repouso, esta vida vegetativa da suposição, e sob as minhas pálpebras sem sossego paira, como a espuma quieta de um mar sujo, o reflexo longínquo dos candeeiros mudos da rua.
      Durmo e desdurmo.
    Do outro lado de mim, lá para trás de onde jazo, o silêncio da casa toca no infinito. Ouço cair o tempo, gota a gota, e nenhuma gota que cai se ouve cair. Oprime-me fisicamente o coração físico a memória, reduzida a nada, de tudo quanto foi ou fui. Sinto a cabeça materialmente colocada na almofada em que a tenho fazendo vale. A pele da fronha tem com a minha pele um contato de gente na sombra. A própria orelha, sobre a qual me encosto, grava-se-me matematicamente contra o cérebro. Pestanejo de cansaço, e as minhas pestanas fazem um som pequeníssimo, inaudível, na brancura sensível da almofada erguida. Respiro, suspirando, e a minha respiração acontece — não é minha. Sofro sem sentir nem pensar. O relógio da casa, lugar certo lá ao fundo das coisas, soa a meia hora seca e nula. Tudo é tanto, tudo é tão fundo, tudo é tão negro e tão frio!
      Passo tempos, passo silêncios, mundos sem forma passam por mim.
     Subitamente, como uma criança do Mistério, um galo canta sem saber da noite. Posso dormir, porque é manhã em mim. E sinto a minha boca sorrir, deslocando levemente as pregas moles da fronha que me prende o rosto.
     Posso deixar-me à vida, posso dormir, posso ignorar-me… E, através do sono novo que me escurece, ou lembro o galo que cantou, ou é ele, de veras, que canta segunda vez. "

 Fernando Pessoa - Livro do desassossego



[A tempo:]
[este post deve ser lido beeem devagar]
[pr'as palavras irem chegando aos poucos ao seu entendimento]
[Sentir seu corpo respirando...]
[...compassado com a música]

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

SOPA

Que puxa... queria entrar em greve também... =/


Acho que cheguei tarde.... será que ainda rola um lanchinho?

domingo, 15 de janeiro de 2012

... no próximo verão (ou "let me stand next to your fire")

Ontem fui resgatar minha bicicleta do estacionamento depois de uma quantidade razoável de neve. (no que segue, palavras com um cunho lascivo, totalmente subliminar) Inseri minha chave no cadeado da bicicleta lentamente, e como só a pontinha entrava, forcei um pouco...entrou um pouco mais, mas eu ainda assim senti que dava pra ir mais fundo.. no entanto, a chave não virava. Pensei em ir com tudo e ignorar os apelos dela (chave), mas tive medo de quebrá-la.  Enfiei e tirei várias vezes pra ver se a fricção ajudaria em algo, esquentando... pensei em passar um oleozinho, um lubrificante (até cuspe)... nada =/


Resumindo: sou o mais novo usuário de ônibus por estas terras!!!


Não me dei por satisfeito... já estou pensando mil maneiras de resgatar meu pobre e singelo veículo: água quente no cadeado, bombas, granadas, dinamite, maçarico, reza-brava, sal grosso, sal pra descongelar neve (é meio verde...tem vermelho tbm!), isqueiro... Ontem me senti como naqueles desenhos animados do Tom e  Jerry/Pica-pau/ papa-léguas... parece que nada do que eu fazia dava certo =/



Acho que, no fundo no fundo, eu ainda gostaria de ser como Jimi Hendrix e queimar minha bicicleta





Bom...tomara que algo funcione... não quero me privar dessa beldade por tanto tempo =/ Como andar pelo mundo sem ela? Ow, god... estou em crise. Tão em crise que fiz um videozinho enquanto sofria ao  tentar resgatá-la... talvez só no próximo verão.... tomara que não =|

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Do caminho, da despedida, do retorno

Últimas horas de Brasil, indescritível sensação de vazio.


[rimou, mas não foi intencional]

 Lembro-me da primeira visita pós mudança pros eua e do final dela

http://matematicosmarcovaldos.blogspot.com/2011/06/despedindo-me-do-brasil.html

Sempre dói... e nunca consigo antever oque este momento guarda pra mim. De certa forma, acho que fui embora ontem, depois de alguns "tchaus"... o corpo fica anestesiado, os braços parecem perder a força... vc segue em direção à sala de embarque... e nada pode ser feito para evitar.

Não queria ter ficado... acho que meu cordão umbilical foi cortado:  as cidades onde vivi já não mais me rejeitavam; na visita à minha antiga casa, não me via lá senão como uma lembrança....  ver de onde vim, pensar para onde estou indo... não esquecer quem eu sou. Algumas coisas... poucas coisas... uma única coisa queria ter levado comigo... nem sempre tudo está ao nosso alcance... oque me faz lembrar dos Stones cantando,



e de como Sísifo pode resolver seus problemas se ele quiser






















Volto de mãos vazias e com o peito marcado, sem aquilo que eu queria, mas com tudo de que preciso... aqui dentro-comigo.

Au revoir, folks. Volto em breve pra umas cervejas e uns abraços.




segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Da natureza das vírgulas e dos pontos finais

Num reino gramatical,
onde as frases e os significados remavam lado a lado,
um navegando no outro,
como tartarugas que nadam sobre as costas de outras tartarugas,
e estas nas costas de outras tartarugas,
pontos e vírgulas dividiam território a ferro e fogo,
se encarregando de dar fim às sentenças,
a determinar oque ainda não tivera fim,
e oque seguia sob os desígnios do "to be continued".

No entanto, um senhor de cajado,
numa manhã de terrível mau-humorfológico,
Antônimo Conselheiro,
caiu neste mundo num tropeço, assim decretando:

"- Que todas os pontos finais se tornem vírgulas.
e as vírgulas, pontos finais",

E o mundo então foi diferente:
oque era um discurso passou a ser 146 discursos.
oque era pra ter continuidade passou a ter fim antes de se imaginar/esperar.
e oque era pra ter fim passou a ser interminável,

Uma humanidade desesperada. atônita. apavorada, A falta de ar e de esperança batendo à porta de todos, Pior do que sentir dor é não ter esperança de que a dor tenha fim,

Árvores de pontos finais no centro da cidade.
alegria de crianças brincando nas praças.
viraram árvores de vírgulas.
caindo na cabeça das pessoas como jacas.
decapitando-as,

Pés de ponto e vírgula.
Antes desprezados nos penhascos do mundo.
rolavam a torto e a direito.
pois agora eram somente pontos finais.
desprendidos do solo que lhes serviu de anteparo,

Tentando brecar pisando no acelerador. a humanidade partia para o seu mais derradeiro fim sintático, Quando um gênio semântico assim bradou:

"que todos os sinais sejam reticências!!!"

... e aí não havia semântica que contivesse o mundo...
as palavras deixaram de  fazer sentido...















e a mudez virou uma bomba de exclamações e hífens