Dos amigos que eu tive na infância, ela era a mais diferente. As outras mães, inclusive a minha, no começo estranharam, acharam que era uma aberração ou mesmo algo que não poderia estar no convívio das outras crianças, filhos "felizes e perfeitos". Passou um tempo e , como toda criança, aquela ali não era senão outra delas: pulava, corria, brincava...mesmo tendo um cabide preso à boca.
Os médicos tentaram convencer a mãe de que a cirurgia não afetaria a sanidade da menina, mas ela não acreditava. O país inteiro por muito tempo explorou aquela história, vendeu jornais e mais jornais, levou psicólogas em programas dominicais e mulheres desvairadas alegando que o estado deveria tomar a criança sob custódia. O tempo, no entanto, pôs panos quentes naquilo tudo e ela aparecera ali, na escolinha que eu estudava.
Uma professora se recusou a dar aulas, mas os tempos eram difíceis, vc bem sabe: Collor, impeachment, plano Sarney, inflação... enfim, antes o dinheiro no fim do mês e dar aulas pr'aquela menina do que ficar a ver navios ( pela tv , já que era em são Paulo... ou melhor, não vê-los, caso a luz fosse cortada por falta de pagamento).
A relutância foi grande, a resitência ferrenha, mas a resignação sempre vence e, no fim das contas, a menina e seu cabide preso na boca viraram um símbolo da infância que todos os professores acreditavam que nós transpirávamos. Não sei se a questão toda era o cabide, mas era tudo muito curioso. Olhar pra ela era enigmático no princípio, mas depois era só um motivo para dar uma risada no meio da aula, e levar uma bronca da professora Lídia por fazer baderna.
A menina se chamava Gabriela. Era engraçada ela: parecia uma criança como todas as outras, apesar de não participar das aulas de educação física. Ela até podia se alimentar com os lanches da cantina, nada a distinguia dos outros, exceto pelo detalhe aparente, pendendo no seu rosto.
Guardo até hoje a foto da turma em que ela saiu assim, de frente, sorrindo. Era bonito: ela sorria e parecia que o cabide sorria junto. Ok, é claro que o cabide não adquirira vida por conta da pequena garota, mas adoro vê-la naquela foto com sua franjinha caída pro lado esquerdo da testa, seu sorriso preso na boca, seu cabide sorrindo.
Não sei que fim ela teve. Ou, como algumas mães diziam , que fim a menina e o cabide tiveram. Se referiam a ela como "eles": ela e o cabide. Mas retornando ao assunto: não sei que fim tiveram a menina e seu cabide. Alguns dizem que ela foi morar no Chile, outros que casou e teve filhos que frequentavam o psicólogo um longo tempo por não terem nascido com cabides igualmente interessantes presos nas suas bocas. A Juliana, que era muito próxima a ela e à sua família, me disse que elas perderam contato na adolescência, mas que a Gabriela havia começado a se envolver com música e tocar o seu cabide como se fosse um xilofone, e que o som era incrível!!! Aí são só rumores..parece que ela arrumou um namorado meio hippie e, preterindo as salas de concerto, saiu pelo mundo com ele, tocando nas ruas das grandes cidades da Europa, da América do Sul, e de outros países, sem se fixar em lugar algum! Era ela, sua música, seu cabide.
Espero que ela esteja feliz... oppppss...que continuem felizes.
=)
Os médicos tentaram convencer a mãe de que a cirurgia não afetaria a sanidade da menina, mas ela não acreditava. O país inteiro por muito tempo explorou aquela história, vendeu jornais e mais jornais, levou psicólogas em programas dominicais e mulheres desvairadas alegando que o estado deveria tomar a criança sob custódia. O tempo, no entanto, pôs panos quentes naquilo tudo e ela aparecera ali, na escolinha que eu estudava.
Uma professora se recusou a dar aulas, mas os tempos eram difíceis, vc bem sabe: Collor, impeachment, plano Sarney, inflação... enfim, antes o dinheiro no fim do mês e dar aulas pr'aquela menina do que ficar a ver navios ( pela tv , já que era em são Paulo... ou melhor, não vê-los, caso a luz fosse cortada por falta de pagamento).
A relutância foi grande, a resitência ferrenha, mas a resignação sempre vence e, no fim das contas, a menina e seu cabide preso na boca viraram um símbolo da infância que todos os professores acreditavam que nós transpirávamos. Não sei se a questão toda era o cabide, mas era tudo muito curioso. Olhar pra ela era enigmático no princípio, mas depois era só um motivo para dar uma risada no meio da aula, e levar uma bronca da professora Lídia por fazer baderna.
A menina se chamava Gabriela. Era engraçada ela: parecia uma criança como todas as outras, apesar de não participar das aulas de educação física. Ela até podia se alimentar com os lanches da cantina, nada a distinguia dos outros, exceto pelo detalhe aparente, pendendo no seu rosto.
Guardo até hoje a foto da turma em que ela saiu assim, de frente, sorrindo. Era bonito: ela sorria e parecia que o cabide sorria junto. Ok, é claro que o cabide não adquirira vida por conta da pequena garota, mas adoro vê-la naquela foto com sua franjinha caída pro lado esquerdo da testa, seu sorriso preso na boca, seu cabide sorrindo.
Não sei que fim ela teve. Ou, como algumas mães diziam , que fim a menina e o cabide tiveram. Se referiam a ela como "eles": ela e o cabide. Mas retornando ao assunto: não sei que fim tiveram a menina e seu cabide. Alguns dizem que ela foi morar no Chile, outros que casou e teve filhos que frequentavam o psicólogo um longo tempo por não terem nascido com cabides igualmente interessantes presos nas suas bocas. A Juliana, que era muito próxima a ela e à sua família, me disse que elas perderam contato na adolescência, mas que a Gabriela havia começado a se envolver com música e tocar o seu cabide como se fosse um xilofone, e que o som era incrível!!! Aí são só rumores..parece que ela arrumou um namorado meio hippie e, preterindo as salas de concerto, saiu pelo mundo com ele, tocando nas ruas das grandes cidades da Europa, da América do Sul, e de outros países, sem se fixar em lugar algum! Era ela, sua música, seu cabide.
Espero que ela esteja feliz... oppppss...que continuem felizes.
=)
Um comentário:
Essa história foi baseada numa outra que uma amiga minha me contou. Ela me disse que uma vez, qdo criança, ela estava brincando em casa com um cabide e colocou na boca aquela parte curva, só que o cabide não queria mais sair.
Ela foi até a mãe dela com o cabide na boca, chorando, mas sua mãe tbm não conseguiu tirá-lo de lá. Elas resolveram então ir ao hospital (elas iam de ônibus). Aí ela começou a me relatar a espera no ponto de ônibus: ela com o cabide na boca e todo mundo olhando meio espantado rsrsrs No fim das contas, elas nem precisaram ir até o hospital, por que um sr se dispôs a ajudar e conseguiu tirar o cabide da boca dela.
Na minha versão da história eu imaginei a vida dela eternamente com o cabide...
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