domingo, 19 de junho de 2016

Ramadan

It's been a year since I started volunteering here in Minneapolis, teaching math to adults. Most of my students are refugees from Somalia, hence most of them are Muslims.

Today I arrived in class and, due to Ramadan there was only one student. She had a book in front of her. Not a math book, though: she was reading the Koran. 

I, atheist, asked her if she could read a bit for me. 

"-I just wanna hear the sound it has", I said. 

She smiled and nodded.

I sat by her side and then she started reading in Arabic: I closed my eyes. It was like hearing a beautiful song for the first time. Because she was not just reading, she was singing! It sounded like a Bach suite for cello or something as beautiful. 

She kept reading for a few minutes and throughout the reading I kept my eyes closed, enjoying those beautiful sounds that came from the God she believes. 

(Needless to say: it was in Arabic and I couldn't understand a word).

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Passos lentos



Boogarins - San Lorenzo
Passos lentos 
escrevem
VONTADE DE CHEGAR
Precisa andar como quem

Já chegou 
chega de chegar  

De pressa 
é muito devagar

Paulo Leminski



terça-feira, 12 de abril de 2016

Faça chuva ou faça sol

Há tempos não batia uma dessas: vontade de voltar ao Brasil... mas dessa vez não é como nas vezes anteriores, em que a vontade tropeçava em diversas impossibilidades como terminar estudos, arrumar oque fazer depois: eu tenho pensado seriamente em voltar.

Acho que esses dias todos aqui na Europa... essa quantidade enorme de mudanças de casa no último ano (até agora, 6). Estou em todos os lugares mas não estou em lugar nenhum. A impessoalidade enorme de casas em que você está mas não é tua, das cidades em que está mas só de passagem, dos dias que vive mas que - por dentro - tem dúvida se quer que passem rápido ou devagar. Parece-me que há uma necessidade fora do comum em me manter compacto e coeso, enquanto o mundo me pede para ceder e deixar acontecer, viver etc. Parece bonito, poesia, romance, mas não é: a realidade me exige presente a todo o momento e não há instante para ceder e me deixar largado por aí.

Vulnerabilidade? Hummmm.... talvez. Sempre penso duas vezes quando chego a situações assim. Uma realidade "hostil" aumenta e muito a nossa sensação de fragilidade/vulnerabilidade. Mas há outras coisas boas nisso: talvez eu comece a me sentir satisfeito com o que tenho construído, com o que tenho buscado pra mim mesmo. Isso tudo é um processo. É não só aceitar aquilo que o mundo me dá, mas também aquilo que  carrego dentro de mim. 

É curioso que essa dúvida - "volto-não-volto"- oprime, mas não há muito como dividí-la com outras pessoas. Mais e mais sinto que o desenvolvimento emocional das pessoas que amo é frágil demais pra atender minhas dúvidas e angústias bestas, meu cotidiano no qual fazer frio ou fazer calor tanto faz: meus maiores dilemas moram dentro de mim, e não lá fora. Nessas horas é melhor o silêncio. Assim você poupa os outros de micro-mágoas, de hostilidades gratuitas que poderiam destruir qualquer forma de relação mais adiante.

Peço pela paciência dos que estão longe querendo estar perto, e tento me fazer presente praqueles que estão próximos (no caso, ninguém hahaha). Seja presente, esteja presente e se faça presente. 

Últimos dias na Alemanha. Não sei quando posto de novo (e de qual país o farei). 







sábado, 9 de abril de 2016

Bonhommes/Fellows



Bonhommes - Fellows by Cecilia Marreiros Marum


[Assisti esse filme, que me fez pensar e muito em acontecimentos recentes]
[Em como é comum nos apegarmos ao que nos parece hostil e transformar aquilo em sofrimento]
[É o muito frio do mundo, é a distância, é a falta de praia, é a falta de algo]
[É sofrer por querer que oque nos cerca fosse outra coisa: outro lugar, outras pessoas.]
[Claro, isso não faz com que deixemos de ter preferências, de gostarmos mais de A do que de B]
[Mas as preferências devem guiar nosso caminho, e não fazer com que os lugares pelos quais passamos e as pessoas com as quais interagimos nesse meio tempo sejam atrelados a sentimentos e objetos hostis que nos trazem sofrimento.]
[O destino final é o caminho que percorremos para atingí-lo.]
[E vice-versa.]
[Enfim... divaguei =P haha]

ps: aproveitando, esse filme também explica o símbolo no "quem sou eu" ali ao lado ;)


quinta-feira, 31 de março de 2016

Gosminhas

Curiosamente, cada cultura estabelece uma relação singular com gostos, formas, cheiros e texturas. 

Em mais um dia de batalha em refeitórios alemães, nosso explorador favorito (não, não... falo de Rafaello: 1984 ---) esbanjou coragem extrema e pura ousadia ao se deparar com gosminhas. Sim, por que alemães adoram "dressings": aquelas coisas líquidas e de cores duvidosas - branco, verdegrama, amarelo calcinha, vermelho tapete - que algumas pessoas despejam na comida. 

Aflito e sem ter para onde escapar, Rafaello interrompe a batalha de tempos em tempos: olha ao redor num suspiro e busca um ponto de conforto distante, no infinito. Apesar de se sentir realmente desconfortável, nosso viajante dispendeu força sobrehumana ao encarar esse monstro. Felizmente o fez com louvor e sucesso, enquanto seus colegas de mesa se deleitavam ao encarar com seus próprios "monstros líquidos". 

A  textura, a forma e o gosto... cultura. Nossas raízes remetem e buscam  uma esfera de familiaridade onde nos inserimos, nos encaixamos. 

Rafaello sai do campo de batalha nauseado. Busca no bolso com desespero o conforto de uma paçoquinha.

domingo, 27 de março de 2016

Um brasileiro faminto num feriado bávaro

Acordo pensando se vou ter oque comer nesse dia. Olho pra minha humilde despensa de casa temporária e me aflijo: feriado lá fora e escassez aqui dentro. Direitos trabalhistas fecham supermercados em dia de feriado e imigrante morre de fome - deu na manchete do jornal. A beleza e o romantismo de se morar fora. Mas quem vê isso?! Vale mais a pena o sensacionalismo. Penso em comida e abro a geladeira. A cenoura da segunda prateleira conversa com a família de abobrinhas que mora na prateleira de baixo. Riem. Ao me verem, cessam a conversa e se fingem de mortas. Mortas e murchas mas ainda comida: o feriado não há de lhes poupar da panela. 

Penso no feriado e nos malditos direitos trabalhistas. Homens que querem e têm o direito de ficar com suas famílias enquanto outros viajam pra longe das suas e dos seus e morrem de fome ao atravessar o deserto. Rafaello-exupery cai com seu avião no Saara alemão  e hoje até água vai ter q ser da torneira. Pondero... talvez algo escapou ao meu olhar escrutinador faminto: um pedaço de queijo que camaleonicamente imitou o fundo da geladeira, um tomate desentendido, um pote de iogurte fujao... 

Não: estou fadado à fome. Penso em que lei basear minha defesa caso me prendam: "brasileiro preso na Alemanha por saquear o supermercado". Mais vale o sensacionalismo que minha dor. "Brasileiros passam fome na Europa", tema em pauta na ONU e seus fóruns. Direitos trabalhistas... onde já se viu... se a função do trabalho é engrandecer e alimentar o homem, aonde mora o erro já que tantos, como este que lhes escreve, perecem e passam fome?! Olho o céu lá fora, cinza... devestar cinza de fome. A expressão não existente aparece em minha cabeça como um pop up mental que me gera risos de ansiedade e medo. Vamos lá, abobrinhas e cenoura... hoje vcs ganharam o dia

Sigo reticente para a cozinha, escalando os últimos metros desse everest sem tubo de oxigênio. Força se me faltarem letras e palavras... animo se me sobrar fome. 

domingo, 20 de março de 2016

"Pedegree"


Hoje aconteceu algo curioso... eu entrei na minha sala temporária aqui na Alemanha e... vejo meu nome na porta (que já estava lá ontem, mas no qual não havia reparado). 

"Que legal esse cuidado deles"

pensei... aí eu vejo um "MSc" antes o meu nome...e estranhei na hora. Primeiro por que nos eua ninguém liga pra isso: o professor emérito e o estudante de doutorado, todos, têm seus nomes nas portas dos seus escritórios, sem títulos nem nada. Segundo por que não sei se fiquei machucado no meu ego pelo MSc, e não PhD... achei estranho. Aí olhei ao redor e vi que todos têm seu "título", como uma medalha, colado na porta. Aí vi que, nitidamente, eu estava sendo ranqueado. Muito, mas muito estranho. Me tocou... e me lembrei de um trecho do "bird of passage", do Rudolf Peirls, no qual ele descreve a sua vida acadêmica na Alemanha antes de ir pra Inglaterra fugido da guerra; há um trecho no qual ele descreve um visitante chegando para conversar com um professor alemão tratando o por "você". Este último o poda na hora dizendo que deveria ser tratado prof Herr Professor..." A história é de antes da 2nda grande guerra, mas vê-se que sim, a Alemanha continua estruturalmente rígida: a posição de professor ainda é algo de prestígio e eles se orgulham disso. Mais ainda, se orgulham de títulos e te medem com base nisso. Um título pra eles ainda é algo super cobiçado e digno de medalhas, placas e tudo o mais. Vindo dos eua isso é meio chocante:  no meio acadêmico  malemal todo mundo tem um PhD. Agora, pra quem está fora sim (eua), a isso se dá valor. 


Em suma... fica aqui meu lembrete: algumas pessoas e lugares vão te olhar pelo teu (pe)degree, de onde você vem e tuas medalhas. Cabe a você saber o lugar a que pertence, a bagagem que carrega e quão confortável você se sente com ela. É só isso que conta: você é aquilo que carrega contigo, algo que diz mais que todo e qualquer título que você tenha (mas que só cabe a você saber o real significado/importância). 

domingo, 13 de março de 2016

Viralatismo F.C.

Eu tive um amigo nos eua que vivia me dizendo que brasileiros, quando se encontravam, era uma festa: começavam a dançar, se abraçar e tudo o mais. Mas isso mudou pra mim em algum ponto: uma conversa no elevador em português e você se faz de desentendido... uma prosa num restaurante e você nem aí... oque há em comum além da língua? Clarom há muito, mas ... não não, não é o bastante. E então, encontrar brasileiros perdidos ao redor do mundo se tornou um pouco desconfortável... ainda mais quando eles insistem em falar do Brasil.

É interessante ver alguns condenando o modo de vida brasileiro... "simples", alguns dizem. Eu acho que é o contrário. O modo de vida europeu é tão simples quanto. E, sinceramente, se você mora na américa e quer ter um padrão/modo de vida europeu você vai ter que ter muito dinheiro. Da mesma forma, se você mora na europa e quer ter um padrão de vida "tropical" (café da manhã com frutas variadas, viagens à praia etc) vc certamente vai ter que ter muito dinheiro. A diferença toda está no que as pessoas consideram como simples e no que elas consideram como luxo. Infelizmente as elites dos países latino americanos têm os olhos voltados pra europa e eua.... por outro lado, a elite européia e americana têm os olhos voltados pros próprios umbigos (vide Donald Trump... meu deus, que foi aquele último debate republicano!??! )

E acho que isso volta um pouco àquilo que eu reparei assim que pisei aqui: a funcionalidade. Acho que a idéia toda da alemanha está nessa simplicidade, nessa funcionalidade sem fancyness, evitar o rebuscado desnecessário, o excesso. E o Brasil, de certa maneira, têm um pouco dessa virtudo, de maneira não consciente. É incrível o viralatismo brasileiro: nunca vi povo que se une tanto pra falar mal, pra esculhambar, pra açoitar tanto sua história e seu povo. 

Acho que começo a fazer as pazes comigo mesmo, de alguma maneira. A Alemanha e o frio norte americano me têm sido uma lição de humildade sem fim.