sexta-feira, 15 de março de 2019

Para os dias de barco furado: um pouco de Buster Keaton

Tenho me sentido meio seco, sem sentido, sem vontade, desinteressado nos amigos, mais ainda em virtudo da distância, que me faz ter contato com eles por redes sociais apenas.  Nesse meio tempo, me esforço em procurar significado e beleza nas coisas pra quem sabe me encantar de novo pelo mundo que me cerca. Pra isso tenho tentado, quando possível (re)ver um pouco daquilo que nós, humanos, conseguimos fazer tão bem (às vezes): arte.

Recentemente vim a conhecer o trabalho de alguém que totalmente desconhecia: Buster Keaton. Simplesmente um gênio! A maneira como ele busca surpreender a audiência com o inesperado é algo tão universal e presente que mesmo hoje, quase cem anos depois desse filme ter sido feito, ele continua atual em sua linguagem.


["One Week", por Buster Keaton, de 1920]

O de cima é curtinho, tem 20 e tantos minutos. Caso tenha tempo, o filme abaixo é outro que me deixou estarrecido: tantas idéias num mesmo filme! Admirável.



["The General", por Buster Keaton, de 1927]

domingo, 10 de março de 2019

Quem lê tanta notícia?

Me lembro uma vez ter visto que um adulto no final do século XIX (ou seria XVIII?) lia durante a vida algo equivalente em tamanho a uma edição de jornal de domingo. Isso por que, se pararmos pra pensar, livros, quando começaram a ser produzidos, tinham um custo absurdamente alto: estima-se que o custo de um livro girava em torno de $40 por página. Ou seja, um livrinho de 100 páginas custava nada mais nada menos que $4000!! :O Assustador, não? 

[Há várias estatísticas e gráficos legais aqui : https://ourworldindata.org/books#prices-of-books-productivity-in-book-production
https://ourworldindata.org/books#consumption-of-books]

Por que estou falando isso? Bom, primeiro porque hoje me veio à cabeça que a estrutura de classes no Japão se baseia não só na hegemonia de uma "elite intelectual e financeira", mas também na impossibilidade de acesso à outras classes e grupos aos meios para que esta estrutura mude. A exemplo deste artigo

Each year since 2010, Tokyo Medical University fraudulently lowered the scores of female applicants who took the annual entrance exam, keeping the percentage of young women admitted at about 30 percent.
[Japan Times, Agosto de 2018] 

Me estarreceu pensar em como, ao negar acesso à cultura e a mecanismos de ascensão social, a sociedade enrijece de forma a perpetuar o domínio das classes dominantes (e dos seus descendentes). Me lembrei do Brasil, onde muitos amigos com filhos em colégios caros acham injusto a existência do Bolsa Família, pois o "governo não dá nada pra eles".

[Em maior ou menor grau, minha mãe repete esta última frase em outros contextos..]
[...a meu ver, igualmente recrimináveis]

Pensei em números, em como o acesso tão fácil à informação (de variadas qualidades) nos levará a um mundo que passará por algo similar ao que nossa saúde alimentar tem passado: rótulos de junkie food ou comida saudável e coisas assim. Há de acontecer o mesmo com informação: fake news, tweeters, livros etc No futuro, só consumirá notícias de qualidade quem tiver "meios".... ou seja, a internet não vai mudar a ordem de nada (ou será que me engano?)

Me perdi pensando nisso enquanto andava de trem... me lembrei de uma das partes que sempre me estarreceu de beleza no "alegria, alegria" do Caetano Veloso, naquela em que ele diz
O sol nas bancas de revista  
Me enche de alegria e preguiça  
Quem lê tanta notícia?  
[Caetano Veloso, Alegria Alegria, do incrível "Caetano Veloso", de 1968] 


Provavelmente só me lembrei disso por que no começo da semana havia lido este artigo antigo do nytimes que descreve um americano que, após a eleição do Trump em 2018, resolveu parar de consumir notícias sobre o mundo. Ele diz num trecho
The fact that it’s working for him — “I’m emotionally healthier than I’ve ever felt,” he said — has made him question the very value of being fed each day by the media. Why do we bother tracking faraway political developments and distant campaign speeches? What good comes of it? Why do we read all these tweets anyway?

“I had been paying attention to the news for decades,” Mr. Hagerman said. “And I never did anything with it.”
[do artigo The man who knew too little, do Nytimes de 10 de Março de 2018]

Fiquei pensando nisso..e na música do Caetano. Vai ver sim, há notícia demais no mundo, mas muito, muito lixo também sendo criado e produzido. Será que isso tudo existe pra ser lido/consumido ou.... pra ser filtrado somente? Talvez isso me ajude a entender o porque de ter evitado ler as notícias de tantos amigos que ficam chorando as pitangas em post e correntes de mensagens sobre Bolsonaro e Trump: se deixarmos isso nos consome e corrói por dentro. Sim, já sei que são dois escroques que não merecem um milionésimo da minha atenção. Assim sendo, pra que ficar lendo mais uma vez sobre um tweeter idiota que um ou outro enviou? Não, essa notícia eu não leio.

sexta-feira, 1 de março de 2019

A raposa e o porco-espinho (parte I)

 πόλλ' οἶδ' ἀλώπηξ, ἀλλ' ἐχῖνος ἓν μέγα 
"a fox knows many things, but a hedgehog one important thing"
 [trecho atribuído ao grego Archilochus]

Era uma vez uma raposa que caiu de amores por um porco-espinho.
O porco-espinho, reciprocamente, amava a raposa.
E assim o relacionamento dos dois seguiu.

Os dois eram muito diferentes: a raposa possuía uma visão de mundo fluida e desapegada, sendo até um pouco frivola por possuir tantas perspectivas simultâneas sobre tudo.
O porco-espinho, por outro lado, era de uma consistência admirável, embora de uma inercia insuplantável no que tange a agregar novos valores: inerte, embora sólido como uma rocha.

Mesmo assim, lado a lado, eles se amavam.

A raposa, em seu instinto de busca por aventuras, aprendeu a ver o mundo sob os olhos do porco-espinho, aprendeu a gostar de unidade e consistência.
O porco-espinho, por outro lado, se esforcava em depreender o olhar multi-facetado da raposa.

Os dois ao sol, um repousando na sombra do outro, cresceram por bons anos.

Mas o tempo passou.

O porco-espinho precisava de seguranca que uma raposa não conseguia dar, e tentava ao máximo se esquivar das barreiras que o mundo parecia lhe impor.
A raposa, dedicada ao ninho que os dois construíam mas volátil em seus interesses, buscava navegar pelas turbulentas águas do mundo animal sem se machucar e assim, intacta, remar até chegar são e salva ao porco-espinho, de cuja companhia tanto gostava.

Vítimas das vicissitudes da vida, foram cada um pra um lado, em busca não de alguém, mas de algo que desse um mínimo de sentido ou razão pras suas existências.

[Fim da parte I]
[Escrito em algum momento de Dezembro de 2018]

domingo, 24 de fevereiro de 2019

Direto da Terra do Sol Nascente #46: eu sou apenas um rapaz, latino americano comendo curry japonês

[Em Hokkaido]

O cozinheiro do restaurante, horrorizado diante da cena, não se segura: joga seu chapéu de cozinheiro pro lado,  lava as mãos e, ainda com o avental, pula o balcão e brada, em alto e bom japonês:

-câregayasaitoishodê,tabemasu.....

[Que traduzo aqui para vocês]

- Você deve comer o curry com os vegetais! O arroz você come depois.Não tem essa de misturar tudo como você está fazendo.

-Mas moço,  digo eu, - e o pobre do arroz, vai acabar frio

Aí o cozinheiro arranca a colher da minha mão, e por um segundo questiono se ele vai colocar a comida na minha boca. Me desconcerto: "- um povo que nem se apertaas mãos, mas toma talheres uns das refeições dos outros". 

Nessa hora pára um carro de som na frente do local, e um homem sobe no capô do carro com um megafone, gritanto:
"-Rafaello, volte 10 casas no seu entendimento da cultura local."

Me desconcerto, embaraçado. O cozinheiro então move a colher, pega o brócoli, e mostra que devo mergulhá-lo para tomá-lo com o curry.

Dou um sorriso ocidental...
"-arigatôgosaimasu!"
Olhos me perscrutam vindos da direção da cozinha.
Como o jantar até o fim.
... sem ousar tocar no arroz
...ou mesmo olhar pra cima.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Visita ao Brasil - tudo do zero

Me sentindo hoje como se fosse defender minha tese, embora menos seguro, sem estar debaixo de asa alguma e só me sustentando sobre meus próprios pés e idéias.

Estranho desconforto de estar com um medo na barriga... crescer deve ser um pouco isso: uma hora você se vê fora do ninho e, quando se dá conta, está voando.


sábado, 2 de fevereiro de 2019

Snoring birds (ou "equilibrando o olhar sobre linhas tênues e dúbias")

O sono, o dormir, são em geral momentos em que nós humanos nos mostramos extremamente frágeis, vulneráveis e expostos. Certamente poderia me perder em discussões "polarizadas" sobre o significados Freudianos dos nossos devaneios oníricos, ou mesmo sobre o fato de animais sonharem ou não. 

O fato é: ver um ser humano dormindo nos traz uma sensação de fragilidade. Uma associação que fazemos sem muito pensar sobre. O mais interessante, e é isso que estava pensando sobre, é como isso pode mudar com quando adicionamos coisas simples à cena. Por exemplo: coloque uma garrafa de álcool ao lado do corpo de um senhor que dorme na rua. Oque mudou? O nosso julgamento sobre beber, sobre alguém que não tem controle sobre si mesmo? É realmente fascinante como fazemos associações inesperadas e alteramos o valor de algo a depender do contexto e das ligações que fazemos. Outra: ouça a 
Abertura da Tannhäuser de Wagner.... agora me permita acrescentar alguns dados sobre o quão chauvinista o autor da obra era. Muda algo? Ou, caso mais recente, ouvir sobre Bill Cosby ou Wooddy  Allen sem associá-los ao seus comportamentos enquanto pessoas/não artistas.

Recentemente o Nytimes publicou umas coisas interessantes sobre isso. Como a autora da carta expõe
"I would be interested in how others feel about separating the work from the reprehensible conduct of the artist. Should we vow never to see another Woody Allen movie again, or a rerun of “The Cosby Show,” or the work of any of the many, all too many, offending creative people?"
[No artigo 1, link abaixo]

1) Separating the Artist’s Conduct and the Art
2) Bad Behavior, Great Art

Outra coisa curiosa até é vermos beleza em animais que roncam. Aonde já se viu, achar bonito uma pessoa roncar?! Nunca!! Mas... se é um bicho é outra coisa: é fofinho. 





Mas enfim.... por hoje já deu. 

domingo, 20 de janeiro de 2019

Visita ao Brasil - causos cariocas #2 (ou "Taxista abre o coração a caminho da Urca")

"-...aí eu falei pra ele: se você ficar pegando minhas mulé você sabe, vc vai acordar um pedaço aqui, outro ali. Um não acorda mais e outro acorda na cadeia. Eu era pulícia mêrmão."

Me disse o taxista, a caminho da Urca.

"-O cara é meu amigo mas vem ficar com as minhas ex? Porra, onde já se viu? Tá certo não. Começou a sair com um travesti que eu saia... eu gostava de sair com travesti, é bom e tal, apertadinho... E o cara é meu amigo, ele sabia. Aí vem pegar a mulher quando não estou perto? Não, aí não dá. Da próxima eu mato mesmo."

[Taxista abre o coração a caminho da Urca]


[Nota: guardei o detalhe sórdido do "apertadinho"]
[Foi realmente uma conversa surreal]
[Ainda mais quando ele começou a descrever os remédios que tomava pra dormir]

Visita ao Brasil - causos cariocas #1 (ou "Taxista abre a boca a caminho do Catete")

[erros gramaticais visando reforçar a oralidade]

"-Tá vêno aquela barraquinha ali? Tá vêno?"

Entro no carro, e já nos 10 primeiros metros, ali na curva que liga o aeroporto Santos Dummont à zona sula, o motorista já me diz isso, na maior intimidade do mundo.

"...Tá vêno?"

"⁻Sim, tô vendo." 

"-Então... ali tá rolano u' chá de bebê de uma moça da cooperativa... gente bôa. Tá toooodo mundo lá:  comêno, levânuns presentes... uma festa."

"-Ahhh legal" -disse eu, meio sem saber o rumo que a conversa tomava.

"-'tra coisa legal tamém é qui o pai é tamém da cooperativa. Trabalha todo muno juntu"

"-Ahh que coincidência"... acrescentei

"-É sim, bastante, né? Só que vou te contar um detalhe: o cara... ele é casado! E a esposa dele é púlicia civil. Já imaginou o B.O.? Amigo, eu num quero nem estar perto quando isso acontecer. Vou te levar ali e na volta comprar um presentinho...assim, um pacote-de-fralda ou algo assim, mas é só: vou é sair de perto. O pessoal fica co'essas fotinhos em redes sociais, instagram...daqui a poco essa mulher descobre ...mêrmããão.... vai ter tiro pra tudo que é lado."


[Taxista abre a boca a caminho do Catete]

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Direto da Terra do Sol Nascente #45: jetlag

Cheio de energia e idéias, acordo animado para o retorno ao trabalho.
Olhos bem abertos para recomeçar mais um ano de trabalho
Com receio de atraso, pego o celular na mão
Duas da manhã

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019