domingo, 29 de agosto de 2021

A encantável geometria do desconhecido

 Já vi de tudo nessa vida. Bom, nem ouso enumerar e já me corrijo: já vi muita coisa. Não, me corrijo mais uma vez: já vi algumas coisas nessa vida. Umas poucas, digo mais humildemente. Vai ver por conta disso me surpreenda tão pouco com oque vejo: nada é novo, tudo é uma reelaboração de uma velha piada. Viver é um marasmo constante. Talvez, a arte de viver bem seja saber extrair poesia da seiva da mesmice.

Só sei que ontem, num repente de meio de conversa de vídeo, tive contato com algo novo: fui apresentado a um vibrador feminino.  
Fiquei intrigado: como é que.... por que será que.... como... porque tem esse formato? Fiquei mudo. 

Me senti como um ponto diminuto se deparando com uma geometria inimaginável. Como uma equação relativística que diz que espaço e gravidade se imiscuem como dois amantes inseparáveis, ali estava algo que - talvez mais surpreendente que qualquer desses fatos científicos - me estarreceu. Como será que um se conecta no outro? O peso de quem faz oque se curvar e mudar de forma? Incrível.... um objeto-pedacinho, ponto de curvatura infinita, vibrando sabe-se lá como e onde, em busca de uma orgasmica singularidade.  Nem Einstein explicaria como funciona.

Sei lá... tô meio perplexo ainda. 

[Um perplexo diferente do post anterior, diria.]

terça-feira, 17 de agosto de 2021

Pessoa-estátua

Por estes dias fiquei a me perguntar oque havia me deixado perplexo nessa vida. Na verdade me perdi um pouco mais, me perguntando como avaliamos um evento que nos atinge, previsível, ou algo inesperado, fora de qualquer horizonte de possibilidades vislumbradas. Me lembrei de uma surra que quase levei de um colega de escola que, eu então jurava, não seria pário para meus golpes fajutos de karate. Ou a prova de programação linear (otimização) durante a faculdade: fiz piada de todo o drama dos meus colegas de sala (que diziam que a matéria era difícil), disse que eram medos infundados, que a prova fora mais fácil do que imaginava, e até razoável.... e que jurava ter tirado no mínimo 8. Fui contemplado com um inesquecível 2.2., que carrego até hoje na memória.

Perplexidade, meus amigos...perplexidade. Um balde de água fria que nos demonstra o quanto nos aferramos a crenças infundadas, a idéias que no fundo não têm lastro. Talvez,nesse aspecto, a perplexidade seja um pouco como estarmos desnorteados: perdemos a total dimensão da direção que estamos indo ao nos darmos conta de que o compasso que nos guiava apontava na direção errada.

É curioso ter consciência da minha perplexidade. Talvez mais ainda é ver a perplexidade alheia. Vejo por estes dias a queda de Kabul, no Afeganistão, e a surpresa de todos que até então diziam que isso não aconteceria tão cedo (mesmo os jornais, até 2-3 dias atrás diziam que talvez demorasse um mês ou mais): Kabul jaz aos pés do Taleban neste momento. 

Me compadeço, me dói ver tudo isso.  Penso nessa surpresa toda e me pergunto o quanto dela não se dá por vermos as coisas superficialmente. Como as pessoas-iceberg que somos, assunto que discorri sobre no post anterior, há situações-iceberg, das quais achamos que se trata de um pequeno gelo mas que nos rompe o casco e nos naufraga em um piscar de olhos. Será que nos pautamos tanto assim em ver as coisas pela superfície? Nos aferramos tanto a imagens e a crenças que no fundo não tem valor quantitativo, qualitativo, ou causal, algum? 

Me lembrei de algo que ouvi o José Saramago falar há alguns anos, e que ele cita numa palestra que deu. Ele fala sobre suas obras, e faz umas referências ao livro Ensaio sobre a Cegueira:

"....durante catorze anos, me tivesse dedicado a descrever uma estátua. O que é a estátua? A estátua é a superfície da pedra, o resultado de retirar pedra da pedra. Descrever a estátua, o rosto, o gesto, as roupagens, a figura, é descrever o exterior da pedra, e essa descrição, metaforicamente, é o que encontramos nos romances a que me referi até agora. Quando terminei O Evangelho ainda não sabia que até então tinha andado a descrever estátuas. Tive de entender o novo mundo que se me apresentava ao abandonar a superfície da pedra e passar para o seu interior, e isso aconteceu com Ensaio sobre a Cegueira. Percebi, então, que alguma coisa tinha terminado na minha vida de escritor e que algo diferente estava a começar. 
O ensaio sobre a cegueira é a história de uma cegueira fulminante que ataca os habitantes de uma cidade. Poderia tratar-se de uma epidemia, de uma praga, isso não está explicado no livro nem importa, a única coisa que se diz é que a gente perde a visão. As consequências de uma cegueira com estas características são óbvias num mundo que, no fundamental, está organizado por e para o sentido da visão: todas as catástrofes imagináveis, e outras que nem queremos imaginar, acabariam arrasando a vida não apenas de um ponto de vista material, mas também destruiriam da noite para o dia todos os valores de consenso social, todas as regras, todas as normas. O homem converter-se-ia definitivamente em lobo do homem. Mas o autor crê que já estamos cegos com os olhos que temos, que não é necessário que nenhuma epidemia de cegueira venha a assolar a humanidade. Talvez os nossos olhos vejam, mas a nossa razão esteja cega. Não somos capazes de reconhecer que foi o ser humano quem inventou algo tão alheio à natureza como a crueldade. Nenhum animal é cruel, nenhum animal tortura outro animal. Têm de seguir as leis impostas pela vontade de sobreviver, mas torturar e humilhar os seus semelhantes são invenções da razão humana. O livro já não se empenha na descrição da estátua, é uma tentativa de entrar no interior da pedra, no mais profundo de nós mesmos, é uma tentativa de nos perguntarmos o quê e quem somos. E para quê. Provavelmente não existe uma resposta e, se existisse, seguramente não seria eu a pessoa capaz de oferecê-la. No fundo, o que o livro quis expressar é muito simples: se somos assim, que cada um se pergunte porquê."

Sabemos que somos propensos a uma infinitude de enganos, de apego a superficialidades, de jogadas de poeira pra debaixo do tapete, de apego a superficialidades... uma espécie de cegueira diante das atitudes dos outros, de situações, de nós mesmos, de fatos que ou  insistimos em negar ou que simplesmente não nos estão disponíveis naquele momento. Seria a superficialidade parte da condição humana? Parte da sua condição de pobreza intelectual, ou subserviência do seu pensar diante do seu sentir? Parte do avaliar só por cima, do achar que as pessoas são felizes pelas fotos que têm em rede social? De acharmos que alguém é importante pelos títulos que tem? 1

Em geral não existem miopia ao olharmos em retrospecto. Infelizmente, só quando olhamos pra trás, pois a cegueira parece ser algo intrínseco a nossa natureza... e vive nos nossos olhos a todo o momento.


1 Recentemente, lendo um jornal brasileiro, encontrei uma coluna de um "bonitão right-wing", presidente de um instituto do qual eu nunca ouvira falar (que, pelo vim a saber depois, é insignificante mesmo). Instituto este que ele mesmo fundou. Anyway, pelo visto a idéia atrai olhares, e sempre vai bem no Linkedin te o título de "head of", ou "presidente/CEO" 😛  

  

 

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Pessoa-iceberg

Pouca gente repara nisso, mas há algo muito comum nas pessoas que se expõe ou resolvem criar algo: oque elas mostram em geral é somente uma fração diminuta do que elas realmente criaram. E nem falo sobre o fato do trabalho ter sido reduzido, polido, enxugado a um produto final. Falo, isso sim, de só vermos aquilo que o autor considera digno (ou com algum valor) para chegar à luz do dia.


Acho que todos que criam tem isso, de uma maneira ou outra. Há algum tempo soube que o Prince tem um arquivo gigantesco de coisas que gravou em seu estúdio, mas que nunca considerou para divulgação (a família que está lucrando com essa estória). Adiciona-se a isso outros nomes: Jimi Hendrix, J.D. Salinger etc. Tudo oque essas pessoas publicaram em vida é uma ponta de iceberg diante daquilo que veio depois. É claro, há muita discussão sobre a legitimidade de alguém sair publicando coisas que estes consideravam indignas de serem vistas/ouvidas/lidas. Mas isso é outra discussão. 


Comecei a pensar nesta questão ao reparar em quanta coisa eu tenho que nunca achei que deveria ser finalizada, ou mesmo trabalhada a um produto final. Este blog, por exemplo: possui 694 posts publicados, e um total de 975 escritos, oque dá uns quase 30% de coisas que provavelmente nunca vou postar - ou por falta de vontade de terminá-las, ou por achar que não são boas, ou simplesmente por não ter mais tesão nelas. No que diz respeito a trabalho, a taxa fica por aí também: uns 30-40% em artigos esquecidos que nunca fui atrás de finalizar, de programas que não fui atrás de debugar, de pingos nos "i's" que deixei de dar.


Existe um equilíbrio enorme neste caso que tem dois extremos: uma pessoa que divulgue tudo oque faz (talvez este tipo de "artista" já exista; o Instagram está cheio deles haha) e, num outro extremo, um artista tão exigente consigo mesmo que não divulga nada.


Mas vamos fugir de extremos por agora e voltar ao mundo dos humanos "normais", que vivem num meio termo entre estes dois casos. Fico refletindo sobre as taxas de cada pessoa. Será que as pessoas têm isso? Será que existe um "quociente de aproveitamento/divulgação" de cada um? Talvez, como disse anteriormente, a questão nem seja o quanto se aproveita, porque ao sermos exigentes com oque deixamos "escapar" pro mundo damos sinal de senso crítico, de respeito por nós mesmos (e pelos outros), além de curarmos aquilo que criamos. 


Ao que parece, gerirmos nossas vidas como uma ponta iceberguiana que os outros vêem e uma parte "obscura", longe de olhos alheios ("longe de olhos alheios".... vou virar cantor de lambada depois dessa :) que pode até parecer inútil, ou lixo, mas talvez sirva como uma base de sustentação a tudo aquilo que chega ao crivo do mundo.


Me estendo então, e penso num outro iceberg - visível/invisível - que fica entre oque dizemos ou não. Claro, se não digo nada do que penso eu viro uma pedra. Por outro lado, se disser tudo oque penso - sem freios  ou amarras - posso acabar em sérios problemas (na verdade este último caso se trata de uma doença chamada "sindrome de Tourette"). 


[Mas por que comecei a falar disso tudo mesmo?] 

[Bom, ao menos dessa vez vou dar um destino diferente a este post, tirando-o do submundo dos posts que nem ouso publicar....]