terça-feira, 27 de julho de 2021

Entusiasmos numéricos, ma non troppo (parte 1)

Há algum tempo atrás aconteceu interessente: numa conversa por telefone com minha mãe, esta me contava entusiasmada sobre um presente que comprara para o seu neto (meu sobrinho). "-São uns bichinhos de esponja que crescem na água!! Ele vai adorar! Poderá brincar no banho e quando for pra praia. Diz na embalagem que eles crescem 600%!! ".

Ouvi aquilo e fiquei quieto. Quem sou eu pra ficar dando aulas de porcentagens e seus significados pra alguém? Fiquei na minha... a Matemática te dá essa virtude meio ambivalente (pra não dizer chata): a de te roubar a poesia de algumas coisas e de adicionar mais cor à outras... um tradeoff meio estranho mas que, no fim das contas, quem trabalha com números acaba por aceitar.

Até aí tudo bem. Conversa vai, conversa vem.... e minha mãe volta a insistir nesses 600%. Aí começou a dar coceira... pqp... será que eu falo algo? Fui desviando a conversa, andando pelas beiradas para não cair nesse abismo das divergências familiares. Oque: eu, ser chato? Nunca! Eu estava na minha, e ali fiquei enquanto pude. 

Resisti mais um pouco: ouvia minha mãe animada com a próxima visita do neto. Num ato zen, ouvia, imaginando como meu sobrinho deve estar, e me perdi em saudades de tudo e todos. Sustentei-me firme e bravamente. Mas aí, quando menos esperava, palavras duras me atingem como uma flecha. Uma não: 600. 

"-Mãe, me desculpe te dizer, mas 600% não é muita coisa... não sei como mediram isso, mas isso é no máximo 6-7 vezes o tamanho do brinquedo... não vai ficar do tamanho de...sei lá, um tiranossauro que não vai caber na banheira..."

[Silêncio]

Por alguns segundos ficou aquele silêncio no ar... um clima de decepção, como num presente de natal que não corresponde com o imaginado, como se uma esperada bicicleta acabasse virando uma meia mal embrulhada.... ou um eterno 7 a 1 que não acaba. 

Me senti um chato.

Mãe, me desculpe... da próxima fico quieto e falo pra vocês tomarem cuidado. 
Digo que é capaz do boneco crescer tanto que não caberá no apartamento. 
Ou que ganhará vida, e que com um carnívoro tão mortífero não se brinca.
Ou que o peso do boneco pode colocar a da criança em risco....


sexta-feira, 9 de julho de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #115: dias de marcenaria e patchwork

Essa semana foi bem estranha: estava angustiado até ontem, tentando resolver um problema absurdo que parecia sair do meu controle a todo o momento. Uma hora parecia que tudo funcionava,  noutro você tinha um boicote evidente, eu versus um supercomputador. Me senti, por alguns minutos, como Kasparov diante do DeepBlue. A máquina saiu ganhadora neste caso também (digo: ganhou diante da minha paciência).

Ou não.

Ontem eu saí do trabalho transtornado. Pensei: "vou pra casa chorar" hahaha Não, não foi pra tanto. Mas tava um dia daqueles, cheio de bugs até nas coisas mais simples que, até ontem, funcionavam. Aí disse pra mim mesmo "hora de ficar longe, ir escalar um pouco, tentar desanuviar a mente". E assim fiz. 

Hoje acordei mais tranquilo, fui com calma, vendo como eu poderia resolver tantos problemas ao mesmo tempo de maneira efetiva. E assim foi, de maneira meio infinitesimal, quase como se faz em escalada "na pedra" (fora): vai-se ganhando espaço/altura aos pouquinhos, conquistando terreno aos poucos... à tarde, já confiante do "xeque-mate" que preparava, fiquei pensando no que estava rolando. Qual era a lição maior por trás disso tudo?

Talvez seja a de que não existe como ficar harmonizando uma cadeia enorme de pequenas coisas conflitantes, pois ao se tentar arrumar uma acabamos por desencadear outras inconsistências. A "ordem do dia", que teci logo no começo do dia, foi a de colocar um protocolo único que todas as coisas deveriam seguir. Aí pronto: nada de ter que brincar de patchwork, emendando/consertando aqui e ali coisas que no fundo não se conectam. 

É interessante pensar nisso olhando pra trás, pois muitas vezes acredito que matemática (aplicada) é um pouco isso, uma sucessão de tecnicalidades que não difere muito do trabalho de um marceneiro ou artesão, que corta uma tábua, faz as marquinhas na madeira de onde vão os pregos, vê que deu errado, vai corta de novo outra madeira, dessa vez medindo(!), até dar forma àquilo que no começo era só uma idéia abstrata: uma cadeira, um teorema, uma desigualdade, um móvel...

quinta-feira, 8 de julho de 2021

Adultescência

Pensei há alguns dias em perguntar pra minha mãe quando ela havia se dado conta de que era uma adulta. Quando saíra de casa? Quando teve o primeiro filho? Quando uma conta de telefone chegou no nome dela? Mas mudei de idéia.... acho que minha mãe sempre foi adulta, não consigo imaginá-la criança...

Acho que, dessa pandemia, vamos todos levar algo: todos ficamos mais velhos e adultos depois dela. Será que por conta da nossa proximidade com a morte? Por termos sido lembrados constantemente de como somos finitos, de como todos os que amamos um dia vão morrer? A pandemia foi isso: um balde de água fria em todos, nas horas mais inoportunas. É vírus isso, é virus pegando no pé de jovens, de adultos, de idosos e crianças.... se você lê isso agora, acredite: você, assim como eu, só sobreviveu por sorte. 

É... eu fico meio assim de aceitar tal idéia. Acho que minhas medidas ultra higiênico-sanitárias foram uma barreira intransponível que vírus algum poderia vencer... quando na verdade não: bem provável que, se estivesse em algum outro país (por ex., Brasil, EUA, Índia) estaria lá eu, na maca do hospital, doente, temendo pela minha própria existência, e pensando em todos os 5 filhos que não tive. "-Eu pelo menos deveria ter casado e deixado um livro pra eternidade", aposto que pensaria. 

Pois bem... aqui me encontro com a sorte de um náufrago que passou pelo pior, mas agora se vê cercado de água, água e mais água. O desconhecido que nos cerca e no qual nos mergulhamos de corpo inteiro chamado... vida. 

Mas nem era bem por isso que comecei a escrever.... era mais pra comentar a sorte de estar aqui, e em como envelhecemos. Divagação não de agora, pois me colocou a lembrar de outra que tive quando adolescente, vendo aqueles livros de História com aquelas fotos antigas do Brasil, com aquelas pessoas de 30 e poucos anos usando bengala, barbas tão grandes que mais pareciam velhos de 60 anos. Por que será que eles queria envelhecer? Ou oque será que fez que envelhecessem tanto? Será que daqui a 100 anos alguém vai olhar pra nós e dizer "-Nossa... olha como eles eram antiquados...será que eles não tinham vergonha, gente de 20 anos andando com essa geringonça desse celular... mexendo no instagram?

Em suma: será que nós já usamos bengalas e não sabemos?

Fiquei na dúvida... ainda mais quando me peguei no espelho há alguns dias com a barba mal feita.... vi ali um prenúncio de Prudêncio de Morais ou algo assim (well... mais pareço aquele meu comparsa da pringles)... a vida me pregando uma peça, puxando meu tapete...e me envelhescendo sem que eu nem mesmo perceba. Talvez isso tudo explique essa dorzinha nas costas que ando sentindo...