Tomei a vacina hoje cedo. Primeira dose.
Olhei ao redor: eu dentre tantas pessoas muito mais velhas, gente de cadeira de rodas, pessoas com seus filhos e cuidadores, entre outras coisas. Eu estava ali porque consto como pesquisador visitante numa universidade japonesa. Sou grupo prioritário.
Nem titubeei muito nessa corda bamba entre o prioritário e o privilegiado. Me vi e vejo neste último grupo. Me senti meio mal, mas feliz, muito feliz em estar ali. Acho que tão feliz que talvez explique o porque eu ter escrito errado meu email de todos os dias no formulário eletrônico (sorte que era o "email backup"), e ter esquecido no escritório o documento que comprova que moro aqui (que carrego todos os dias, mas que hoje precisei pra um outro evento).
Em suma: um privilegiado afoito, mas feliz.
Mas afoito e provilegiado.
Mas privilegiado e reflexivo.
Fiquei com tudo isso na cabeça enquanto olhava ao redor. Tudo tão rápido, mal tive tempo de processar. Será que fico feliz em ver isso como um vislumbre de dias mais "normais" no futuro.. Normal nada nunca é ou foi, né? Talvez um "normalmente mais igual ao que era antes" talvez aplique...
Fiquei pensando no Brasil, no que as pessoas lá estão passando. Nos desvarios desse governo que lá impera, no que foi meu caminho pra chegar onde estou (fisicamente, não no que diz a status: esse é nulo)... sorte. Provilégio e sorte.
Por estes dias me lembrei do MAUS, do Art Spiegelman, Há uma parte do livro que poucas vezes discuti, em que ele comenta sobre o fato de ser filho de sobreviventes de campos de concentração. Ele narra uma conversa com seu terapeuta, onde eles se debruçam sobre essa tênue linha de argumentação sobre os pais deles estarem ali porque foram mais fortes e resistiram às intempéries dos campos onde estavam. Aí o terapeuta vira pra ele e pergunta/fala: " é claro que tua existência depende da existência dos teus pais, deles terem se encontrado... mas o quão fácil é pra você aceitar que eles simplesmente sobreviveram por sorte?"
Fiquei pensando nisso... nessa ilusão cognitiva que veio tentar flertar comigo hoje, a de um "-estou aqui porque percorri o trajeto tal" e uma outra narrativa, a de que simplesmente tenho sorte, uma sorte indissociada de um privilégio, dentre os muitos outros que carrego comigo.
Parece que discuto, tento descrever a sensação, mas ando em círculos. Assim como entrei, saí como se a vida fosse a mesma, como se o sol ainda ardesse a minha pele, com as mesmas preocupações idiotas de sempre "oque vai ser de mim depois daqui? Oque vai vir depois daqui?". Me senti mal e bem pelo ocorrido. Me senti flutuando nesse mar de ambivalências que a vida é, onde navegarmos por dubiedades é requisito necessário a todos. Segui nublado ao longo do dia, com breves pitadas de sol: ainda que reflexivo, não sabia como fazer diferente senão celebrar comigo mesmo o fato.
Talvez, de certa maneira, seja sim uma vitória dos humanos como espécie, que busca formas de não ser erradicada do planeta que esta incessantemente destrói. Talvez eu só tenha que ficar quieto, ir dormir mais cedo, e aguardar pela segunda dose.
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