terça-feira, 18 de maio de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #113: assinando como gente grande

Essa é uma questão que possuo desde pequeno e que, durante uma conversa recente com uma amiga veio à tona novamente: minha assinatura. Na verdade não a minha, mas a de tanta gente aí fora: minha assinatura é simplesmente a maneira como eu escrevo qualquer coisa. Mesma grafia: o "érre" inicial é o mesmo que usaria caso fosse escrever Rafaello, Rondônia, Recessivo, Ramones. Não há design algum. Ou melhor: há aquele design que criei, quando estava no pré, aprendendo as primeiras letras.

E olha, eu sempre achei que quando crescesse fosse ter aquela assinatura bonita, daquelas que fazem uma curva enoooooooorme de grande que toma quase metade da página parecendo uma órbita de nave espacial, e que é replicada a cada vez com um traquejo sem igual da caneta, rápido como uma flecha: a pessoa te dá um papel pra assinar e vup! Num piscar de olhos, você já assinou tudo da mesma forma, milimetricamente igual.

É essa a assinatura de adulto que um dia eu pensei que fosse ter.

Mas na verdade a coisa continuou a mesma de sempre. Faço aquele "ême" (M) que é o mesmo na média mas tem uma enorme variância de um pra outro: uma hora com a primeira perna maior, como um irmão mais velho protegendo os mais novos mas que, algumas assinaturas adiante, leva uma rasteira da última perna que então sai assimetricamente maior que todas as outras, assumindo a hegemonia do clã. O "érre" (R) então, vixe... uma hora sai como um pê (P) com uma vara de pesca, noutra parece um quê (Q) que se equilibra sobre uma perna de pau (ou um pregador de roupas). 

Como se vê, as mesmas dificuldades que eu tinha e escrever o nome quando tinha 6-7 anos, perduraram, prejudicando toda a estética que ali poderia elaborar: um R arqueado  como uma marquise feita pelo Niemeyer, um M como ângulos tão rebuscados quanto a ópera de Sidney, um A tão sofisticado que mais parece um prédio gótico em Praga. 


Tudo oque não consigo reproduzir e que, em virtude da minha habilidade motora (que parece não ter evoluído muito desde a infância), se reduz àquela linha tortinha que parece um pequeno eletroencefalograma retocado por alguém muito, mas muito... limitado em sua habilidade em comparar duas imagens.

De certa forma, me lembra um pouco aquela senhora que se dispôs a restaurar um afresco do século XIX  ("ecce hommo") e entregou o que você vê aqui.

No fundo, me sinto na pele dessa senhora: quero assinar assimo como ela queria refazer um afresco como o original, mas acabo fazendo um rabisco diminuto e mirrado que anda lado ao lado com o trabalho dela: um...ser que é uma mistura de homem com a boca cheia de biscoitos, com um travesseiro de viagem no pescoço, mostrando a lingua. 

Ser adulto era isso, ter essa assinatura rebuscada? Oque será que resta aos outros seres que, como eu, ficam nesse limbo entre os dois mundos: nem uma criança, nem um ser por completo? 

Nessas horas eu até invejo os japoneses: aqui todo mundo tem um hanko,1 um selinho de despachante com um desenho que você paga alguém (um profissional) pra fazer pra você.

Eita, esses japoneses: povo desenvolvido!!


Do qual falei neste post de 2020 

 

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #112: Brasileiro com o chocalho amarrado no pé

Por estes dias, arrumando a casa, mais exatamente os tênis na entrada do apartamento, vi que um deles tinha um barulho estranho: uma pedrinha dentro. Um barulhinho de chocalho, chac-chac-chac

Em vão, tentei removê-la: bati aqui, ali, contra a parede, futuquei a sola em busca de alguma brecha....

...nada...

Fiquei me perguntando como nunca havia me dado conta o barulhinho que a tal pedra faz...

Será que devo jogar o tênis fora? 


Não, baita desperdício... mas será que outras pessoas ouvem? 

Fico me perguntando como vai ser andar por aí daqui em diante com esse barulho nos pés.. Por um segundo me senti a morena-de Angola da música do Chico, só que sentada no divã, cheia de angústias por conta daquele som grudendo que a persegue a todo e momento e pra todo lugar que esta vá.



 Morena De Angola, de Chico Buarque,


Será que posso chamar isso de crise? Crise de morena de Angola leva jovem ao desespero, diz a capa do Nihon shinbum essa semana. 

Éééé, pessoal... diante de tantas outras crises, essa ao  menos parece ter passado: tenho dormido bem, sem ouvir qualquer cochicho do chocalho, cozinhado batucando nas panelas anti-Bolsonariamente... Já até saí com o tênis, chocalhando pela cidade...mas por sorte o tempo já melhora: logo mais saio de chinelos nos pés pra aproveitar o verão.