Só por ser de lego já diz tudo: vc é desmontável, portátil e pode ser levado no bolso. Ok, talvez não no bolso de uma só pessoa -uma só pessoa apenas, para ser enfático - mas nada que uma mala não dê um jeito.
Hoje tive a leve impressão de que eu sou desmontável e que às vezes a noite me prega uma peça e me gruda no corpo de outras pessoas.
Estava andando por estes dias na rua e olhei para os meus pés enquanto pensava. Ok, nada de mais em olhar para os pés enquanto se pensa. Poderia muito bem ter olhado um vaso de plantas, ou um grilo com a pata machucada na escada, pedindo para ser ajudado, mas morrendo de medo. A diferença foi quando vi que minha bermuda era muito parecida com a de um colega de trabalho. e que minha camisa também se assemelhava à dele.
Me assustei.
E se eu estivesse no corpo dele, ou alguém me olhando.. não, olhando de dentro de mim, através de meus olhos (meio quero ser john malkovich isso, não? Só que não é motivo de graça, mas um pesadelo. à parte esse sentimento que parece fútil e com uma origem hollywoodyana, o resto me passou pela cabeça de ijmediato, um sentimento genuíno... tá certo, pode ser uma doença que desconheço, mas era diferente do sentimento do john malkovich.
Bem, achei que era um pesadelo terminado. Efêmero, sem graça e prosaico.
Até que, andando pela rua e vi passar um rapaz numa bicicleta. Aquele era eu andando pro trabalho. Eu me via ganhar distância e velocidade, como que correndo de mim mesmo, atingindo o infinito na velocidade da luz...exagero meu.. na velocidade de um menino de bicicleta...podia mesmo lhe (me) pedir carona.
Aí vc pára e o processo investigativo te pergunta: quando será que vc deixou de ser vc mesmo e se dividiu em vários? Eu sempre quis perguntar pra minha mãe se algum dia ela não estava numa loja de conveniência daquelas bem grandes, veio uma velhinha com o neto e elas fizeram uma permuta. Sim, este é o caso mais impossível de todos; mas poderia isso ser uma espécie de brotamento, ou o mundo vem criando pessoas iguais em todos os cantos?
Sempre acreditei que as pessoas não são únicas.. não elas propriamente ditas, mas as experiências que elas vivem: várias pessoas já passaram aquilo. Por conta disso, os momentos que vc mais se lembrará são aqueles que são os novos, que adicionam um novo verbete no dicionário do mundo, algo que ninguém nunca viveu antes e vc está ali, inaugurando, criando..... tudo um grande ciclo.
Vc fecha os olhos e imagina um monte de rodas, com um monte de pessoas diferentes. Todos têm o direito de entrar em cada uma delas, dar a mão pros presentes e ficar ali, girando junto. Vc pode sair, mudar de idéia e ir pra outra.... ou pode criar uma roda também, até ficar girando ali por muito tempo sozinho, mas quando alguém vier girar contigo, ela estará vivendo algo que em essência remete muito ao que vc viveu.
Creio que falo isso por achar essa cena toda muito colorida e gigante... como um caleidoscópio feito de gente....cheio de simetria, mas onde cada peça só se parece por fora. Cada peça, uma pessoa, cada pessoa uma cabeça, cada cabeça, um universo. E todo universo, sabe-se bem, é acéfalo e assimétrico (do contrário, ele seria uma estrela do mar =)
Acho que o post de hoje é o princípio de uma crise existencial...
...preciso de um café
5 comentários:
Instruções de uso:
a parte em que eu falo sobre o caleidoscópio deve ser lida enquanto se vê o vídeo. Na verdade, a idéia é assistir ao filminho ao mesmpo tempo em que se ouve uma criança lendo o texto à partir do "Sempre acreditei ..."
Acho que era essa a imagem que eu gostaria de passar, mas só com o texto fica difícil
às vezes você me surpreende.. achei muito bonito o post de hoje.
Concordo com a Bruna.
O um é o todo e o todo é o um.
Sem sombra de dúvidas, um ótimo post.
Também acredito que as pessoas não são únicas, mas só por isto não deixam de ser essenciais. Uma pessoa pode fazer muita diferença, uma escolha de uma pessoa pode a fazer a diferença.
Adorei o post mesmo! Parabéns!
Putz, Rafa, sabe o que isso tudo parece? Heidegger! Tá certo que estou numa fase heideggeriana e TUDO parece o cara, mas ele fala sobre o "Ser", que compõe diversas possibilidades, e por se tratar de possibilidades, "É" nada. O "É" apresenta-se como uma face (realizada) das possibilidades do "Ser". Portanto, "É" a peça do caleidoscópio, enquanto o "Ser" cabeça/universo é acéfalo e assimétrico, o "nada". Viajei? Acho que é a ressaca da bebida barata - kkkk
Bjs heideggerianos
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