domingo, 24 de julho de 2022

Terra Brasilis: "falar menos, ouvir mais"

"-Rafa... como assim, você viveu tudo isso e não tem 200 anos?", me diz uma nova colega de trabalho pelo app de comunicação da empresa depois de uma apresentação num personal map (i.e., alguém que conversou comigo, me apresentando pro resto da empresa). Eu rio, sozinho e sem graça, sozinho em casa, nessa vida de home office onde todos parecem andar juntos ainda que separados.

A chefe do meu chefe me apresenta em palavras, enumerando algumas coisas que disse a ela durante uma entrevista: falar menos e ouvir mais, minimalismo... palavras ao vento numa breve conversa, capturadas como borboletas das quais pouco lembrava mas que me parecem descrever bem os valores que tenho, professo e carrego comigo. 

É estranho ainda quando me perguntam oque significou todo esse tempo longe, de porto em porto... como isso me moldou, me distorceu? É uma das perguntas mais comuns nesses dias, além do "porque você voltou?" Embora eu saiba com um pouco mais de clareza o porquê de ter voltado, sou honesto em dizer a todos que não sei ainda o que significam esses 12 anos fora ... enquanto as coisas passam rapidamente pela janela eu não consigo entendê-las, mas em retrospecto a paisagem fica mais nítida e parece fazer mais sentido.

A cidade me deslumbra em árvores roxas e rosas que parecem brotar surpresas do asfalto, crescendo vistosas a olhos paulistanos que já nem parecem ligar pra obscenidade de suas flores e cores. Vida que que tenta tingir um pouco da existência nessa cidade, selva de pedras que afunda em terreno movediço, se debatendo em desespero com toques de desigualdade e pujança mas tentando se agarrar em salvação na linha imaginária do trópico de Capricórnio.... "there will be no easy rescue".... alguém esqueceu de dizer isso a nós brasileiros...

A vida parece querer seguir ladeira acima, muito diferente de um mês atrás, onde tudo parecia flutuar numa poça de incerteza e angústia que tendo pular a passos largos: tudo mais rápido do que esperava, ainda que mais devagar do que gostaria.

Sigo nessa corda bamba da ansiedadentusiasmo, encarando dias, desbravando manhãs e me ajoelhando em cansaço ao final do dia, uma bagagem enorme e pesada que pareço carregar comigo, na dúvida do quanto deve ser jogada pela janela desse trem que segue à todo vapor. Quero ter a certeza do que me aguarda no horizonte, mas me manter aberto pra cada surpresa que este parece me reservar. Me fascino com cada nova rua que percorro numa cidade que julgava ser minha, cada interação doce com os amigos que jurava conhecer, cada desconforto novo com estes mesmos amigos que insistem em me fazer humilde e aceitar que eles - não somente eu - mudaram nesses anos todos.... incrível, voltar te força a ser menos arrogante.... torço para aprender algo com isso.

Digo coisas, me abro, coloco meu coração numa caixinha e a entrego com um lacinho depois de uma conversa difícil: dôe, se dê sem medo, sem esperar nada de volta. Ouço um "obrigado" romântico cujo sentido não consigo depreender.. melhor seria se fosse silêncio ou um abraço? Lembro de cada vez que fiz isso... sou sempre eu o primeiro a cruzar essas linhas...

O corpo ganha força depois de meses de debilidade. Olho pra tela como se nada visse enquanto me descrevem no evento de apresentação do trabalho... me lembro da travessia oriente-ocidente. Me vem à lembrança a cama dentro do armário por quase um mês, os tênis entregues como oferenda para uma jidohanbaiki em Shibuya... me parece uma realidade tão distante, cercade de intempéries amorosas, hostilidadestupidez que pareciam chacoalhar o barco, meu corpo a cair do céu de asas atadas ao perceber que também eu idealizava e acreditava: que nunca seria exposto às doenças do mundo, confrontado com a dureza que a dor e raiva aflige quando não temperada com o ouvir, testemunhado a defesa da brutalidade como algo a se admirar....  tais feridas me doem, ou seria aquilo que as causou? Não sei... o corpo vibra mas a alma ainda precisa ganhar força pra poder responder essas perguntas (ou ao menos sustentar possíveis respostas que contemplo e até pareço já saber dentro de mim).

O Brasil me trata bem e me recebe de braços abertos. Talvez sem sorriso no rosto, embora isso não me importe muito: contanto que mantenhamos o respeito um pelo outro, está ótimo. Mais do que voltar diferente, tento ser mais humilde em aceitar uma realidade que difere enormemente daquela da qual saí, 12 (ou 15) anos atrás. Talvez sejam esses os "beginner eyes" dos quais o budismo fala... fácil na teoria, difícil na prática (mas sigo tentando)... Brasil, me ame que te amo de volta...


domingo, 10 de julho de 2022

Terra Brasilis : para brincar na gangorra... dois

Sabe quando você não quer que o dia acabe? Que a companhia de uma pessoa é tão, tão gostosa que não se sabe como dar tchau, que é um embaraço admitir que um encontro tem que ter fim? 

Acho que tive isso poucas vezes na vida. Mas com a mesma pessoa... acho que foi a primeira vez. 

O primeiro date, dois desconhecidos, o beijo aos 48 do segundo tempo, atordoados pela pressa de que no dia seguinte eu iria embora pro Japão. Dessa vez... um roteiro tão parecido... eu me contendo, esperando um sinal claro de quando ir, de quando agir, o mesmo desejo-química, dessa vez com um pouco de susto da minha parte (por não esperar por ele)... o mesmo beijo, ainda que diferente... o mesmo toque, ainda que mais quente.. o mesmo sorriso, ainda que debaixo de lágrimas... o mesmo carinho, ainda que debaixo de toneladas de reticência... o mesmo cuidado, ainda que tolhido pelo medo de se doar ou de doer...

["doar" e "doer"... duas palavras tão próximas e tão diferentes ao mesmo tempo]

A paciência, regendo tudo como uma maestrina que nos diz em que direção deveremos ir, onde deveremos ficar, onde olhar, pelo que esperar... é difícil ter paciência diante do que parece indiferença, ou do que parece impaciência, ou motivos irreais para se enredar em discussões onde estas simplesmente não existem... me lembra muito os finais de relacionamento pelo qual passei, onde as palavras descuidadas parecem querer acelerar a decomposição daquilo que ainda não entrou em metástase... sou carinhoso, mas ainda assim me recolho em dor quando percebo que meus pés não tocam mais o chão, e que estou no alto, esperando o outro lado me trazer de volta ao chão e não me deixar falando sozinho... "para brincar na gangorra, dois"... lembro da Marisa Monte cantando... ainda assim, sigo tentando.. há coisas na vida que valem á pena, e eu sei que o medo nos cega, nos molda e nos aflige... 

... só sei que vai levar um tempo... "can't stop laughing"  ao longo do caminho ... vai ver é isso que estou precisando agora...

[Curioso como o contato físico muda o cenário das coisas... e de uma semana pra outra tudo muda...]

[...esse kintsugi mágico-cicatrizador, que só pitadas de tocar e sorrir conseguem catalisar]